domingo, 2 de março de 2014

Bicho na coleira

No Brasil, o clima de carnaval não combina muito com mais essa crise na Europa. Os portais brasileiros na Internet estão fartos de seios e nádegas, fofocas de BBBs pelados debaixo do edredon ou de modelos-e-atrizes peladas na avenida. Os noticiários da TV não são muito diferentes e vamos tocando o samba por aqui. Quem quiser se informar sobre a Crimeia vai ter que rebolar sem sambar.
Convenhamos que Ucrânia e Rússia estão muito longe da terra brasilis e arrisco dizer que o pensamento dominante por aqui é que se eles são russos, eles que se entendam.
No hemisfério norte, contudo, o buraco fica mais embaixo. Acabo de ver o site da CNN e só dá Ucrânia por ali. As páginas do Washington Post, do New York Tim, da BBC e do El País também são fartos de notícias e análises sobre a crise.
E aí, chegamos no Caio Blinder, o brasileiro que escreve lá de Nova Iorque e dá seus pitacos em civilização, direitos humanos, geopolítica e outras picuinhas. Legal. 
O post do Blinder & Blinder me levou ao texto da Julia Loffe, publicado no New Republic. A moça é mesmo bonita e escreve bem, mas acho que exagerou na dose. Seu artigo é muito pessimista. Para ela, Putin vai entornar o caldo na Ucrânia e fará isso porque quer, porque pode e porque pensa diferente da gente ocidental. E ponto final. Nem ONU, nem OTAN, nem EUA, nem ninguém podem parar as ambições desmedidas do atual czar do kremlim.
Será mesmo? Acho que não.
Acho que Putin tem vontade e poder, mas não é doido. As tropas russas estão na fronteira com a Ucrânia rugindo os motores de seus tanques, prontos com seus mísseis e com a faca nos dentes.
O bicho é feroz e assusta, mas está preso na coleira. 
Vamos ser um tantinho pragmáticos. O que Putin tem a ganhar e a perder com tudo isso?
No primeiro ato dessa peça, tudo a ganhar. Uma Ucrânia dividida e quase em guerra civil; a OTAN enfraquecida e os EUA bem longe dali. Não há mesmo como deter o ataque das forças russas.
Mas, e depois?
O presidente da Rússia sacou a pistola, mas vai mesmo atirar?
Só se for para o alto. Ele quer mesmo é intimidar. Está jogando para a plateia dos russos votantes e mostrando para o mundo que a Rússia é, sim, uma protagonista no teatro das nações.
O PIB russo pode ser pequeno comparado com os do EUA, China ou Japão, mas eles continuam sendo um ator global. Querem voltar a ser superpotência e não gostam que mexam no status quo de seu quintal. Por isso é que gastam o que gastam em armas e tecnologia de defesa (ou ataque) e mantêm uma diplomacia e um serviço de inteligência de primeiro nível.
Como vimos, no primeiro ato dessa peça, ninguém conseguiria conter a evolução da Rússia. Mas, e depois? Pois é. No depois, a vaca tosse e o bicho pega, porque Ucrânia não é Síria e quem leu a história de Chamberlain e Hitler sabe que não se pode dar corda a políticos ambiciosos. Uma eventual invasão da Crimeia ou do leste ucraniano poderia levar a uma guerra. Nem EUA, nem OTAN, nem China gostariam que os russos avançassem uma casa no jogo geopolítico internacional.
Dá até medo pensar nisso. Uma outra encrenca na europa oriental, exatos cem anos atrás, levou o mundo a duas guerras mundiais, com suas centenas de milhões de mortos.
Para mim, Putin está mais para um Jack Ryan do Kremlin do que para um novo Hitler ou Stalin. Ele inteligente, poderoso, ambicioso e  exibicionista, mas não é maluco. 
Não acredito em invasão da Ucrânia e torço ardentemente para que isso não ocorra. Diferente da Julia Loffe, acho que os russos não gastarão o diesel de seus tanques invadindo o país vizinho. O que eles querem é que o exército ucraniano não intervenha na Crimeia quando a população de lá decidir voltar a ser território russo. Isso seria uma outra etapa dessa crise, mas com grande ênfase na diplomacia e um verniz democrático. O fogo estaria mais longe do barril de pólvora.
Para que invadir se é possível ganhar tudo com muito menos riscos?
Por fim, o bicho é grande, feio, feroz, vai rosnar e latir, mas é para botar medo. Ele continuará preso na coleira.
Só é bom não chegar muito perto, que ele morde.












2 comentários:

  1. Grande Ilha, segue um post no FB colocado por um amigo ucraniano. Achei interessante e talvez coloque um ponto de vista novo na tua discussão. Abs, Neiva
    "Dear Friends and Colleagues,
    My country was threatened with a “military invasion and occupation”. Under
    pretence of protection of Russian speaking population, Russia's troops took
    over the Crimea region occupying administrative buildings, disarming and
    blocking Ukrainian Army installations and requesting personnel to raise the
    Russian flag.
    I was born in Western Ukraine while my wife is natively from its Eastern
    part, we may speak both Russian and Ukrainian languages and we as well as
    our relatives in both parts of Ukraine do not need any “kind protection”
    from neighbouring Russia.
    Ukraine may be the next victim of Russian leaders’ “war with West” and
    attempt to recreate the Soviet empire aiming at global hegemony. The
    consequences of this move will be devastating for Ukraine. I have been
    serving as peacekeeper in Former Yugoslavia and Kosovo and do not want my
    country to suffer fallout of military conflicts I saw there such as
    destroyed personal property and state infrastructure, military casualties
    and civilian victims, displaced population widows, orphans and hopeless
    disabled persons resulting in decades of state recovery.
    This is really most difficult time for us – Ukrainians and our country, and
    it has to repel aggression itself without any military assistance from
    international community: the UN will be not able to go further than strong
    messages since the aggressor is a Permanent Member of Security council, US
    has no assets and forces in this region and the EU is dependent of Russian
    natural resources.
    Given mentioned above, I would like to ask you to pray for my beloved
    Ukraine and stay with people of my country supporting us in your thoughts.
    Sincerely"

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  2. Grande Neiva, valeu o comentário. Abraço, Ilha

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