Somos mesmo todos franceses.
Notei isso agora há pouco, quando fiz o exame para renovar a carteira de motorista e o médico puxou um papo comigo sobre os atentados em Paris. Ele disse que, não demora muito e haverá retaliação contra os muçulmanos, algum louco explodirá uma bomba numa mesquita lotada, retribuindo o terror que agora nos aflige.
Pode parecer, mas o médico não disse bobagem alguma. Há esse perigo, sim, e é exatamente isso o que os extremistas querem: uma guerra santa entre o ocidente e o oriente.
O ocidente corre o perigo de se consumir numa vingança doentia, contra gente de bem, que apenas quer paz para trabalhar e prosperar.
Nós, os ocidentais, nos chocamos com a morte de uma dezena de cartunistas em plena Paris. A tragédia consumiu as primeiras páginas dos jornais e dos sites de notícias.
Foi mesmo algo inusitado, não a violência em si, mas pelo fato das vítimas trabalharem na imprensa e pelo local do atentado, no coração da capital francesa.
Nossa indignação vem muito da sensação de insegurança, pelo atrevimento dos terroristas em querer impor a nós, ocidentais, suas regras de conduta.
Somos, então, todos franceses, abaixo o terrorismo e viva a liberdade de expressão.
Mas também me ocorreu que não vi em site algum a notícia que escutei agora há pouco na CBN.
Na Nigéria, o Boko Haram intensificou seus ataques contra a população local. Desde o dia 6, véspera do atentado contra o Charlie Hebdo, mais de dois mil nigerianos morreram pelas mãos dos extremistas islâmicos.
Observo que dois mil nigerianos mortos não mereceram uma vírgula nas primeiras páginas da imprensa ocidental. Não houve passeatas e ninguém apagou as luzes da Torre Eiffel.
Ah, dirão alguns, massacres na África acontecem todo dia, não são notícia. Além disso, nigerianos são muçulmanos e negros. Então, eles que se matem, não é mesmo?
Nessa hora, é mais chique sair às ruas indignado com uma plaquinha Je suis Charlie do que com um cartaz contra o Boko Haram. Até porque tem muita gente que defende o inalienável direito da autodeterminação dos povos, mesmo que seja para se exterminarem uns aos outros.
Sim, eles podem se matar a vontade, mas desde que seja longe daqui.
Vale lembrar que na própria França, nos anos setenta, houve quem prestigiasse Pol Pot e seu original Khmer Vermelho, vistos como herois socialistascna luta contra o imperialismo. Era tudo muito lindo e heroico até que estourasse a notícia dos milhões de mortos cambodjanos e das loucuras cometidas por quem apenas queria transformar o mundo eliminando seus adversários.
O fato é que não se pode mesmo tolerar o terrorismo, seja ele contra cartunistas ou simples aldeões de um remoto vilarejo africano.
Nesse sentido, fez bem a França ao intervir no Mali. O governo francês, naquele episódio, mostrou maior grandeza moral que parte dos jornalistas de sua terra.
Não cabem mais as críticas daqueles que acusam o ocidente de criar monstros para combater monstruosidade. Os massacres em Paris e em tantos locais do mundo mostram que os monstros existem, sim; nós é que somos seletivos em enxergar só as monstruosidades que nos atingem diretamente.
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