sexta-feira, 29 de abril de 2011

DO FUNDO DA MEMÓRIA (final)

Transcrito do Blog do Cláudio Humberto

Por Carlos Chagas
Título:  Quem realmente mandava

Quarenta anos e sete  nos separam de 1964, não propriamente o ano em que o Brasil se dividiu, porque dividido já estava, mas o ano da ruptura explícita do país  em duas metades.  O diabo é que duas metades artificiais,  falsas,  levadas ao confronto desnecessário por força das circunstâncias e, mais do que delas, por maliciosa manobra das elites econômico-financeiras  nacionais e internacionais.

Porque até hoje vende-se a impressão de que  a partir de 1964 o Brasil  rachou  entre civis e militares, estes usurpando o poder e impondo a ditadura, aqueles vilipendiados,  afastados de cena e condenados, primeiro, ao marasmo, depois   à discordância, e,  desta  à resistência e à vitória,  21 anos depois, com o afastamento das Forças Armadas da cena política.

Na verdade,  não foi nada disso, ou isso expressou apenas a casca enganadora de um conteúdo muito diferente.

Porque tanto a sociedade civil quanto a militar tinham e tem a mesma origem e o mesmo destino. Formam uma só unidade.    Pensam igual e possuem objetivos idênticos.   No caso, a preservação da nação,  de nossa  soberania e de nosso   território.   A presença do Estado como agente regulador das relações econômicas e sociais, fator  maior da distribuição da igualdade entre a população. Mais ainda, a  construção de uma realidade mais  equânime e projetada para o futuro. A distribuição da riqueza nacional em termos solidários.

Era  isso o que pretendiam  os civis  depostos pelos  militares, como foi isso o que perseguiram  os militares que depuseram os civis.

Fala-se do povo. Porque foram as  elites as responsáveis pela ilusória e trágica  divisão cultivada até hoje, inflada  pela truculência com que os militares se comportaram, tanto quanto  pela irresponsabilidade anterior ou a reação posterior,  muitas vezes desmedida,  com que certas parcelas do poder civil reagiram.  O que  menos importa, hoje, é saber quem nasceu  primeiro,  se o ovo ou a galinha.

Na verdade, era e é outra,  a verdadeira  divisão que as referidas elites buscaram e buscam ocultar.   Utilizaram os militares, quarenta anos atrás,  como as mãos do gato,  para tirar as castanhas do fogo.  Hoje,  utilizam a  sociedade civil, que rotulam de  libertária,  para obter os mesmos fins. Quais? A satisfação de seus interesses, a preservação de seus privilégios  e a concentração de  renda cada vez maior,  em suas mãos. A prevalência de uma casta de ricos cada vez mais  ricos e de uma massa sempre maior de descartáveis premidos pela indigência, o desemprego, a fome e  a miséria.  Civis e militares.

Por ironia, foram os militares que, no poder,  ainda conseguiram preservar as linhas mestras de nossa existência   como nação. Como  foram os civis que, ultrapassando  a ditadura, viram-se  enganados e ludibriados, obrigados a aceitar   o  modelo cruel que nos assola cada vez mais, neoliberal, globalizante ou o que seja, responsável pela nossa débacle como   sociedade independente e   organizada.

Tremerão as elites no  dia em que o Brasil  conseguir quebrar a casca desse confronto anterior,  real e justificável pela  argumentação dos dois lados.   Estará desfeito o muro que nos separa, artificialmente mantido como forma de alimentar a ambição e os privilégios das minorias responsáveis pelo aumento da indigência, do desemprego, da fome e da miséria.

Eleito pela indignação diante de tamanha  farsa, assim como o governo Lula, também o governo Dilma Rousseff encontra-se iludido por essas  mesmas elites,   responsáveis pela preservação do modelo que há anos nos assola, feito de falsas verdades absolutas como a de que não  poderia ser diferente,  já que a inflação alcançaria patamares insustentáveis, o dólar chegaria à estratosfera, o risco-Brasil nos sufocaria e os investimentos externos desapareceriam – levando-nos à desagregação.  É mentira. A desagregação está aí  mesmo, expressa  no objetivo oculto que nos vem sendo imposto.     A quebra da soberania,   a alienação do  patrimônio público, a transformação do trabalhador em apêndice desimportante do processo econômico, a perda sistemática do poder aquisitivo dos salários, a supressão dos direitos sociais, a prevalência do setor  especulativo sobre o setor produtivo, a avidez do capital-motel que chega de tarde, passa a noite a vai embora de manhã, depois de haver estuprado um pouco  mais nossa economia, a transformação do Brasil em mero exportador de riqueza,  mais do que  necessária ao nosso desenvolvimento, a submissão aos ucasses internacionais – tudo isso e muito mais continuam  alimentados pelos esqueletos do passado.

Mudará tudo no  dia em que civis e militares se conscientizarem de estar sendo enganados e vilipendiados pela quadrilha neoliberal e dita globalizante, mesmo ao  preço da cicatrização de feridas anteriores.

Haverá que encerrar estas desimportantes considerações sobre a eclosão do movimento militar.   Provavelmente  surgirão condenações dos dois lados. Dos militares, julgando-se ofendidos pelo reconhecimento dos excessos que seus antecessores  praticaram. Dos civis,  que sofreram e sentem-se no direito de cobrar reparações até o fim dos tempos.   Paciência, o passado  não se deu ao trabalho de passar para ser esquecido. Não  nos dirá o que  fazer,  mas precisamente o contrário.   Sempre  mostra, o  passado, aquilo  que devemos evitar.   Coisa  que até agora não conseguimos, por força de quantos pretendem impedir o futuro. (final)

Nenhum comentário:

Postar um comentário