terça-feira, 30 de julho de 2013
Rejeitar o arado empunhando a espada - por Leonan dos Santos Guimarães
PUBLICADO PELO CORREIO BRASILIENSE EM 25 DE MARÇO DE 2013
Leonam dos Santos Guimarães
Doutor em engenharia e membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear do diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea)
Cinco países são reconhecidos internacionalmente como "estados dotados de armas nucleares". Possuem as armas por direito concedido pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP): EUA, Reino Unido, França, China e Rússia. Entretanto, outros Estados têm essas armas de fato, não de direto.
Três deles, não signatários do TNP, declararam formalmente e demonstraram na prática, mediante testes nucleares, possuí-las: Índia, Paquistão e Coreia do Norte. Apesar de nunca ter declarado nem demonstrado diretamente, parece não haver dúvidas de que Israel, que não é signatária do TNP, também as tem.
A África do Sul, quando ainda não tinha aderido ao TNP, as teve, mas decidiu desmontá-las voluntariamente. A Ucrânia armazenou artefatos nucleares em seu território, mas eles foram totalmente repatriados para a Rússia por meio de acordo depois do desaparecimento da URSS. Nos dias de hoje, o Irã é acusado pela comunidade internacional de estar buscando obtê-las, o que vem sendo tratado como grande ameaça à paz mundial.
Mas o que dizer dos cinco países europeus que têm no território armas nucleares de origem americana "não declaradas", incluindo Bélgica, Alemanha, Turquia, Holanda e Itália? Será que eles não constituem ameaça? A existência das armas, incluindo os procedimentos e meios operativos para seu emprego, é formalmente reconhecida pela Otan.
Os EUA têm cerca de 480 armas termonucleares B61 nos cinco "Estados não dotados de armas nucleares" e desenvolve programa de modernização delas. Sua existência é ignorada pela Aiea — organismo técnico internacional com delegação da ONU para verificar o cumprimento dos compromissos assumidos pelos países que aderiram ao TNP. Entre os cinco "estados nucleares não declarados", a Alemanha é o mais armado. A força aérea alemã tem três bases que podem armazenar até 150 armas e operar aviões alemães Tornado, capazes de lançar ogivas nucleares.
A que se destina a instalação e acumulação de armas táticas B61 nessas cinco nações? Quais seriam os potenciais alvos das armas? Dadas as características técnicas operacionais, elas somente poderiam ser empregadas contra alvos na Rússia e Leste Europeu ou no Oriente Médio e Norte da África.
O fato implica muitas contradições, casos típicos de dois pesos, uma medida. A primeira delas é que, enquanto alguns desses países acusam o Irã de buscá-las, eles próprios têm capacidade de atacá-lo com as mesmas armas. A segunda é que três dos cinco países, Alemanha, Itália e Bélgica, decidiram abandonar o uso pacífico da energia nuclear, que é a geração elétrica, sob a justificativa dos "riscos elevados", mas nenhum decidiu devolver as armas aos EUA, como fez a Ucrânia à Rússia. Será que as usinas nucleares são risco maior do que as bombas atômicas? A classe política e a sociedade parecem pensar que sim.
A Alemanha é o caso mais emblemático da contradição: não é uma potência nuclear "de direito" pelo TNP, mas estoca armas nucleares fabricadas nos EUA e sua força aérea tem capacidade própria de lançá-las. A empresa Eads, controlada pelo poderoso Grupo Daimler, é o fornecedor para a França do míssil balístico M51, capaz de lançar ogivas nucleares de submarinos. O estaleiro alemão HDW é o fornecedor para Israel de submarinos capazes de lançar mísseis com armas nucleares.
Ao mesmo tempo, a Alemanha decidiu descomissionar o seu parque de geração elétrica nuclear, na esteira do acidente de Fukushima. Isso tem implicado aumento na geração de gases efeito estufa, afetando todo o mundo, e em grandes custos para o país, a serem arcados pela sociedade. Rejeitam o arado e abraçam a espada.
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