É tentador achar que vivemos num romance ou thriller de suspense a la House of Cards. O difícil é encarar a vida e as notícias rotineiras como o que são: mera rotina, com a única diferença de agora ser mais conhecida pelo público.
Expressões manjadas, quase todas retiradas do vocabulário pseudo-jurídico com que as esquerdas acusavam Deus e o mundo, estão sendo usadas hoje: “perseguição jurídica! Estado policial! Vazamentos seletivos! Escuta ilegal! Fim do sigilo de fonte!”
Dá uma adrenalina para um país que não tem um Parsifal (ou um Batman...) em sua literatura. Mas todos que gritavam tais clichês não notaram como eram vazios e apartados da realidade. A realidade mais uma vez os venceu.
Em pouquíssimas horas após o escândalo Reinaldo Azevedo, descobriu-se que:
1) A PGR não “vazou” nada. O Fachin que liberou TODOS os áudios. Não significa que a PGR está acusando RA de algum crime, apenas que não se está escolhendo lados (há problema em divulgar áudio pela metade, não há? aqui o princípio é o mesmo).
Quem gritou que era uma clara “perseguição” encampada por Janot (com quem nunca concordei na vida, e gostaria de ver enfrentando a lei que ele próprio está comandando) comprou boataria e saiu acusando sem saber. Cadê a “perseguição jurídica”?
2) As escutas foram divulgadas pelo STF, entre várias outras nas quais o público ainda não se interessou. Apenas um jornalista do Buzzfeed deve ter percebido que Reinaldo Azevedo estava lá e divulgou ESTA conversa. A quem acha que isso “não tem interesse público”, faria mais sentido não comentar para tentar mostrar que ninguém está interessado. Assim que você nota o fato e o comenta, já está comprovando que, sim, há. Cadê o “vazamento seletivo”?
3) Dizer que não há nada de ilegal ali é como dizer que 2 e 2 são 4. Ninguém disse o contrário. Não há perseguição nenhuma nisso: apenas UM JORNALISTA se interessou pelo caso, o divulgou pelo nítido interesse público (e claro que o jornalista também tem interesse privado nisso) e voilà.
RA não está sendo acusado de nada (nem estaria se fosse de fato anexado ao processo): apenas foi visto numa situação que pode ser considerada MORALMENTE reprovável (falou mal da própria revista, foi flagrado mostrando que escreve voltado ao que é de interesse do PSDB). A lei, aí, não fez absolutamente nada contra ele. Cadê o “Estado policial”?
4) Não param de falar agora em SIGILO DA FONTE. Sigilo da fonte é uma proteção ao jornalista – pessoal e intransferível, inclusive à sua fonte. Significa que o Estado não pode perguntar a um jornalista: “Qual é sua fonte?” Só. Só isso. Nada mais.
Quando um jornalista é flagrado falando com bandido/réu/suspeito (e até aí, nada demais MESMO: jornalista pode precisar falar até com assassino, terrorista, genocida etc), ele não comete crimes (como RA não cometeu). Mas se está virando garoto de recados do investigado/criminoso, pega mal para ele. Só isso. Moralmente questionável – juridicamente indiferente. A escuta foi legal e focada em uma investigada que foi presa. Como poderia ser uma escuta em um criminoso qualquer e um jornalista inventasse de ligar para ele – o que ocorre bastante.
Dizer que um grampo de alguém que foi preso (graças a investigações como essa) é “violar o sigilo de fonte de jornalista” é flatus vocis para quem se impressiona com palavras chiques (e é terrível ver jornalistas e profissionais do Direito repetindo tal patavina). Não faz sentido nenhum: ninguém perguntou a fonte para RA, e quem era investigada era Andrea Neves. Segue o jogo. Algum jornalista acha que não pode mais usar fontes que o Estado sairá por aí perguntando qual é? Nem eu.
Enfim, é tentador usar vocabulário rocambulesco para dar impressão de que estamos lutando contra uma ditadura sanguinária e somos heróis da liberdade. A grande verdade é que o dia foi chato, mais do mesmo, e apenas se revelou que atos considerados moralmente questionáveis estão em todos os lugares. Inclusive em agentes da lei e jornalistas.
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