quarta-feira, 26 de março de 2014

Ditadores

Neste nosso mundo, os ditadores estão se dando bem.
Começando de perto para longe e citando apenas alguns dos muitos ditadores que atormetam o planeta azul. Maduro radicaliza a repressão, distorce as leis que o próprio Chavez criou e abusa da autoridade. A cassação da deputada é um escândalo, sim, mas, infelizmnte, é apenas um escândalo a mais.

Prosseguindo, Assad, cuja grande obra de governo é tocar uma guerra civil há três anos, vai realizando seu grande programa: “minha arma, sua vida”. É verdade que seus inimigos conseguem ser piores do que ele, que a guerra entre os sírios é mesmo de vida e de morte, pois quem prevalecer vai exterminar os vencidos. Mas não esqueço a imagem das criancinhas mortas pelas armas químicas do ditador e torço para que ele pague seus pecados, aqui ou em outro mundo.

Chegamos a Putin, o terceiro da lista, um ditador light, se comparado aos seus congêneres. Campeão da nacionalidade russa, acabou de erguer a Taça Guanabaea do Mar Negro. Contra ele, temos Obama, o prudente, que é bom,  porque é mesmo bom ter prudência com o russo; mas também é ruim, por que para Putin os fracos não têm vez. A imagem débil do presidente dos EUA condena o futuro da Ucrânia e, de quebra, o dos países bálticos.

Por fim, o Kim Jong-Un, o da Coreia do Norte, uma paródia de ditador, mas o pior deles. Mantém o povo na linha e mostra para o mundo até onde chega o regime comunista. Um sujeito frustrado, que quer espalhar a felicidade marxista para todos os cantos do planeta. Coitado,  não faz mais porque não pode.

Ah, pulei o dirador do Egito, mas, quem é mesmo ele? Parei de acompanhar quando derrubaram o Mursi, que também era um protótipo de ditador.

Na verdade, as ditaduras prosperam no nosso planetinha por causa da fraqueza das democracias, que teimam em respeitar o lívre arbítrio. É muito bonita essa história de quem diz “não concordo com sua opinião, mas morreria pelo seu sagrado direito de expressá-la”. Eu também gosto essa frase e  tudo seria lindo e maravilhoso se todos a seguissem. Só que isso é utopia e os ditadores desse mundo a ignoram solenemente. Seuem livres e soltos pelo nosso sagrado princípio de não intervenção na casa alheia.

Chega então o grande dilema. Como preservar a democracia sem ofender os seus princípios?

A pergunta é difícil e eu não sei respondê-la.

Enquanto me debato com essas minhas palavrinhas fúteis, Putin invade, King Jong-un oprime, Assad mata e a democracia na Venezuela cai de Maduro.

domingo, 23 de março de 2014

Erros de sobra

Hoje, o El País publicou um artigo de Orlando Figes, comparando as ações de Putin com as de Nicolau I, czar da Rússia no Século XIX e apresentando razões e motivos para a recente anexação da Crimeia pelo governo de Moscou.
Realmente, pode-se evocar motivos e razões de sobra para o golpe de Putin na Crimeia, mas se sobram explicações para os anseios russos, faltam justificativas para a truculência na anexação do território.
A Rússia já infiltrava seus agentes naquela península antes mesmo da queda do antigo governo de Kiev.
O referendo carece de legitimidade, foi realizado na marra e o próprio resultado indica o escândalo da mentira fabricada.
Tudo podia ser diferente se houvesse maior preocupação com a legitimidade das ações. Uma eleição transparente, mas com urnas opacas, num processo que desse vez e voz à oposição, que respeitasse de verdade a opinião dos votantes, tudo isso favoreceria a própria posição russa, nem tanto para o hoje, mas para o amanhã.
A causa russa pode ter méritos no conteúdo, mas erra feio na forma.

O gás russo

Eu tenho escrito por aqui que as sanções econômicas contra a Rússia não se sustentarão por muito tempo, sempre justificando que a Europa depende do gás russo para seu aquecimento no inverno.

Sim, é verdade que eles dependem do gás para se aquecerem no frio do inverno, mas o gás também é essencial para mover sua indústria, tocar sua própria economia.Sem energia não há prosperidade e a Europa em crise sofre com desemprego, com déficits fiscais, com cortes e mais cortes dos benefícios sociais. A população sofre.

Ontem houve protesto em Madri. Cinquenta mil foram às ruas reclamar do desemprego, da falta de perspectivas e marcharam pela dignidade. Como sempre, a passeata acabou em confusão, detidos, depredações.

O protesto de ontem foi uma sombra daqueles que ocorreram poucos anos atrás, mas repetiu o mesmo repertório. Os protestos ocorrem em quase toda Europa e são, sobretudo, o resultado da crise econômica.

As economias de muitos países europeus estão em crise e seus governantes precisam resolver o problema de seus cidadãos. Aliás, convenhamos, a falta de perspectivas também foi um dos combustíveis que moveram a revolta ucraniana contra o antigo governo.

O fã clube do Putin pode argumentar que tais protestos não aparecem em Moscou. Pode ser. Quem sabe isso ocorra porque o povo russo está feliz e satisfeito, ou será que é porque os que se atreveriam a protestar tenham mais medo da polícia e da cadeia do que os outros?

Seja lá o motivo da falta de protestos em Moscou, a conquista da Crimeia inflamou o orgulho russo, elevando a popularidade de Putin, o que é perigoso. Um líder ambicioso com ego elevado pode se inspirar a escalar a crise.

Pode, mas duvido que o faça. Putin sabe que escalar a crise é um jogo do tipo perde-perde. Se os europeus precisam do gás russo, a economia russa depende mais ainda da venda do combustível. Esse fato demonstra a desindustrialização da economia russa, muito dependente da venda de commodities. Parece que esse é o resultado do predomínio das máfias, da concentração de renda, da falta de investimentos.

Se pensarmos um pouco mais veremos que o que Putin mais teme não são os mísseis da OTAN instalados na sua fronteira com a Ucrânia, mas a proximidade da civilização europeia, tão perto do povo russo, tornado inevitáveis a contaminação dos anseios por liberdade e prosperidade.

A população russa também sofre dificuldades e falta de perspectivas. Quando também ficar indignada e perder o medo da polícia, irá para as ruas. Daí Moscou repetirá Madri e a situação ficará definitivamente russa.

sábado, 22 de março de 2014

Delegação tricolor

Putin conseguiu posicionar-se como protagonista do jogo internacional, mas como vilão. Mesmo assim, ainda tem a iniciativa das ações e é bastante esperto para reverter sua imagem.

Tenho me surpreendido com seus passos e não me atrevo a prever o que ele fará, mas posso arriscar alguns palpites.

Putin é ambicioso, mas duvido que invada a Ucrânia. Ele pode incenticar alguma revolta dos ucranianos simpatizantes dos russos, mas com o propósito limitado de provocar desestabilização no país vizinho.

Mesmo pifada, minha bola de cristal me deu uma dica de alguma pressão russa sobre o Brasil, para aumentar o comércio. Talvez os bois e porcos brasileiros fiquem, de uma hora para outra, com uma saúde de ferro. Nada de aftosa no rebanho brasileiro, pelo menos não por enquanto.

As armas, sempre as armas. Armas custam caro e a Rússia adora fabricá-las. A Índia compra aos montes, mas não dá pra vender para a China que literalmente copia tudo o que compra e depois fabrica cópias melhores que os originais. Resta o Brasil, carente de armas e mísseis e cheio de porco e frango para vender.

Mas o Brasil nem está com essa bola toda. Quem não está com todo gás, mas doido para ter é a Europa. O inverno esrá longe, mas sempre chega forte por lá. Dois mais dois são quatro e as sanções não durarão muito.

Se Putin tiver gelo nas veias, ele aguardará um pouco mais. Não muito, só o tempo para eclodirem os conflitos no Pacífico, onde China e Japão guardam ressentimentos históricos. Logo, logo, os EUA serão chamados para resolver problemas por ali e sentirão necessidade de um aliado poderoso como a Rússia.

Em termos futebolísticos, ocupar a Crimeia foi como ganhar a taça guanabara do Mar Negro. A torcida russa vibrou, mas logo a euforia passa. Ainda mais se a economia for para o buraco.

Agora, o time de Putin tem que jogar com mais cautela, ir menos ao ataque e garantir os pontos fora de casa.Se Putin for afoito, aí é que vai mesmo é que seu time cai para a segunda divisão.

Abraço.PS: fiquei preocupado quando me disseram que uma delegação de cartolas tricolores visitou o Kremlin nesta semana.

A velhinha da Crimeia

Tem gente por aí que persegue o Putin. Que coisa feia!

O sujeito é tachado de moralista, fascista, nazista e, para alguns saudosistas, até trotskista. É demais!

O Putin foi, é e sempre será comunista. Sim, c o m u n i s t a! Daqueles  de carteirinha vermelha do partido e com crachá de funcionário da KGB.

Desculpem o desabafo. É que no Brasil, há muita leniência com a turma da foice e do martelo. Quando dá 6 horas da tarde, a TV exibe uma novelinha que divide o elenco. Os malvados são fascistas inescrupulosos, gente da pior espécie, liderados por um doido varrido; os bonzinhos, ah, esses são artistas, operários, idealistas, tudo gente boa, filiados e simpatizantes do Partido Comunista.
Haja hipocrisia!

Aí, tenho que desligar a TV e teclar bobagem no meu blog.Viram só o castigo?

Por favor, chamem o Putin de comunista. Eu e a velhinha na Crimeia, aquela beijando a foto do Stalin, agradecemos.

populações

Outro cometário do mesmo leitor do Caio Blinder

Daniel M - 22/03/2014 às 14:53

Ordem mundial.
Instigante perspectiva trazida pelo colunista. E bem complexa.Dados interessantes e que nao devem ser desprezados (números estimados):
- populacao do planeta: 7.2 bilhão
- populacao Europa: 505 milhões
- populacao EUA: 316 milhões
- populacao Canadá: 35 milhões
- populacao Japão: 127 milhões:
- populacao “bloco ocidental” mais Japão: 983 milhões
- populacao China: 1.35 bilhão
- populacao Índia: 1.22 bilhão
- populacao Brasil: 200 milhões
- populacao Rússia: 142 milhões
- populacao BRIC: 2.91 bilhões
- populacao Oriente: em torno de 61 por cento da populacao do planeta;
- populacao continente africano: 1.03 bilhão
- populacao Indonésia: 251 milhões
- populacao Nigéria: 174 milhões
- populacao Bangladesh: 163 milhões
- populacao Egito: 85 milhões
- populacao Ira: 80 milhões
- populacao do maior pais da Europa: 81 milhões (Alemanha)
- populacao Iraque: 32 milhões
- populacao Afeganistão: 31 milhões
- populacao Síria: 22 milhões
- populacao Israel: 7 milhões
- populacao Líbia: 6 milhões.

2030

Comentário de um leitor do blog do Caio Blinder

Daniel M - 22/03/2014 às 15:32
Parece que o FMI fez previsões sobre os paises que seriam as maiores economias do mundo em 2030 (ou seja, em 16 anos)
.A lista seria essa:
1.. China
2. EUA
3. Índia
4. Brasi
l5. Japão
6. Russia
7. Alemanha
8. Indonésia
9. Turquia
10. Franca
Claro que isso pode nao ocorrer (e particularmente duvido do desempenho brasileiro), mas existe uma evidente tendência, que eu diria muito pouco provável de ser revertida.E isso refletira na tal “ordem mundial” – que esta em plena transformação.

Reescrever a história

Em junho de 1941, quando invadiu a União Sóviética, Hitler não queria tão somente derrotar as tropas que defendiam seu país, mas expulsar toda população que vivia a oeste de Moscou para criar uma nova civilização alemã no território ocupado.
Hitler perdeu a guerra, o nazi-fascismo foi banido, a União Soviética se desintegrou, mas setenta anos depois, Putin ameaça reverter a marcha de Hitler, não para criar outra nova civilização, mas para restabelecer um cinturão que isole os russos dos europeus.
Talvez seja a luta de um patriota defendendo a sua nacionalidade, ou será apenas mais um tirano rescrevendo a história?

Civilização

Quando discutimos aqui os problemas da Rússia e da Crimeia, deixamos de ser moradores do bairro, da cidade ou mesmo do Brasil para nos tornarmos cidadãos do mundo.
O leste europeu é muito longe daqui, mas se enganam os que pensam que nada do que passa por lá nos afeta.
Com os recursos que dispomos hoje, não seria difícil apresentar dados e informações aos montes comprovando os laços econômicos e comerciais entre, por exemplo, o Brasil e a Rússia.
Nossos destinos estão entrelaçados e nem é mais preciso recorrer à imagem das mortais nuvens radioativas de uma guerra nuclear para demonstrar que todos nós sofreremos as consequências de um conflito armado entre o ocidente e a Rússia.
Talvez essa crise e seus desdobramentos tenham um lado positivo, a de difundir e consolidar os valores da democracia liberal, tão característica da civilização ocidental, para aqueles países que padeceram tantos anos sob o jugo do totalitarismo soviético.
Acredito que países como Letônia, Lituânia, Estônia e agora Ucrânia estão perto de se incorporarem integralmente à realidade ocidental, com todas suas virtudes, defeitos e contradições.
Os russos, esses ainda terão um longo caminho para se transformarem em europeus.

sexta-feira, 21 de março de 2014

O rublo furado

Ontem, li um relato de um repórter da BBC que esteve na Crimeia em meados de fevereiro. Enquanto o governo Yanukovych dava seus últimos suspiros, já havia agentes russos infiltrados na península, controlando suas rotas de acesso e preparando o terreno para sua anexação à Rússia.
A ocupação da Crimeia não foi precipitada. Ela foi planejada com antecedência e executada em sigilo.
Em seu discurso na última terça-feira, Putin deu o recado de que não pretende invadir a Ucrânia. Transmitiu uma mensagem clara e direta, mas não sei se podemos confiar no que ele disse.
Discordo que o ocidente tenha tripudiado da Rússia depois do fim da União Soviética, pelo menos não depois que Putin substituiu Yeltsin como mandatário em Moscou. Pelo contrário, os EUA foram muito tolerantes com a ação russa na Chechênia, onde a população local foi sacrificada, e na Georgia, que teve sua soberania violada pelos russos.
Nos últimos meses, a Rússia vinda ampliando seu prestígio na comunidade internacional, impedindo a ação norte-americana na Síria e explorando habilmente os jogos olímpicos de inverno. Acredito que o episódio na Crimeia vai tirar alguns pontos dos russos no tabuleiro do jogo das nações.
Putin é muito bom tático, mas parece não ser um bom estrategista.

O adversário de hoje

Uma das diferenças entre as ações táticas e as estratégicas situa-se na capacidade de antever suas consequências em longo prazo e além do espaço de sua vizinhança.
Muitos consideram modestas as represálias adotadas pelos EUA e seus aliados europeus contra a Rússia. Seu teor, notadamente de ordem econômica, mostrará efeito, mas só a longo prazo e apenas se persistir a vontade de retaliar a agressão cometida.
Faltam poucos dias para começar a primavera no hemisfério norte. Temperaturas mais amenas diminuem a necessidade de calefação e pode admitir um menor consumo de gás.
Mas todo ano tem inverno e frio por lá.
Significativa parte da economia russa se baseia na exportação de commodities, como petróleo e outros combustíveis. É provável que esse setor não seja muito afetado pelas sanções.
Mas, há outros aspectos a se considerar.
Independente da imposição de sanções, as próprias decisões de Putin nessa crise provocam temores em quem pense em investir na produção de bens e serviços na Rússia. É certo que dinheiro chama dinheiro, mas é preciso coragem para colocar seu capital num país onde o governo é capaz de se apropriar do território alheio. Ora, quem tem ganas de confiscar um naco de outro país, mesmo enfrentando uma reação Internacional pode, sem muito esforço, nacionalizar os ativos de uma empresa estrangeira.
Assim, a invasão da Crimeia pode ter consequências negativas a longo prazo. Putin estaria errando como estrategista.
E Obama?
O presidente dos EUA pode estar com seu pensamento focado para o pacífico. Inegavelmente, a Rússia é um adversário formidável no campo militar e, por isso mesmo, pode ser um valioso aliado na disputa de poder que certamente aflorará entre os EUA e a China.
Insistir em sanções econômicas tem efeitos na política interna, diante do eleitorado norte-americano, e também no campo internacional, atingindo o adversário onde dói, ou seja, no bolso. Com isso, consegue-se retaliar, mas sem precisar trilhar o caminho sem volta do conflito militar.
A visão do estrategista enxerga o adversário de hoje como o potencial aliado de amanhã.

A Taça Guanabara do Mar Negro

A anexação da Crimeia foi uma vitória tática, mas pode ter sido um movimento desastroso para a estratégia russa.
O motivo? Vejamos
1) Em termos militares, não havia necessidade da anexação. As bases russas permaneceriam na Crimeia, pois, recentemente, a Ucrânia e a Rússia haviam renovado o contrato de permissão de seu uso.
2) Uma Crimeia ligada a Ucrânia sempre seria uma fonte de preocupações para Kiev, mesmo na condição de província autônoma. A maioria dos seus dois milhões de habitantes é de origem russa, seus votos influenciariam o resultado nas eleições ucranianas e sempre haveria a chance de se rebelarem contra o governo, como, aliás, acabou acontecendo.
3) Caso não houvesse a anexação, a parte oriental da Ucrânia, com significativa população de origem russa, continuaria desfrutando de grande liberdade de ação. A anexação da península enfraquece os eventuais movimentos separatistas do leste da Ucrânia, pois a perda de um território certamente tem inflamado o patriotismo ucraniano.
4) O confisco da península acrescenta mais um motivo de inimizade entre a Ucrânia e a Rússia. Em curto prazo, dificilmente haverá uma nova ascensão, em Kiev, de algum governo com tendências pró-Rússia.
5) A Ucrânia se sente ameaçada e é forte a tendência de se incorporar à União Europeia e à OTAN.
6) A OTAN, que estava mesmo sendo relegada a segundo plano pelos políticos europeus, recupera seu prestígio. A ameaça russa desperta as percepções de insegurança que já estavam adormecidas.
7) por fim, o comportamento do governo russo provocará consequências econômicas adversas para sua economia, nem tanto por causa dos embargos, mas pela insegurança para novos investimentos na Rússia pelo capital externo.
A curto prazo, Moscou teve uma vitória expressiva, mas há argumentos que apontam que a anexação da Crimeia pode ser um desastre em termos estratégicos.
Em termos futebolísticos, podemos dizer que o time do Putin ganhou a Taça Guanabara do Mar Negro, mas é bem capaz de ser rebaixado para a segunda divisão do campeonato.

Sempre alerta!

Em dezembro, houve uma reunião dos ministros de relações exteriores dos países da OTAN, em que eles discutiram quais seriam os tópicos mais importantes para aquela organização, levando-se em conta fatores como a retirada das tropas do Afeganistão e a redução de suas forças armadas e orçamentos de defesa.
Em linhas gerais, aqueles ministros definiram que as forças da OTAN devem, dentre outras prioridades:
- contar com forças de reação rápida;
- aperfeiçoar seus meios de comunicações e informações;
- melhorar suas condições em defesa química, biológica, radiológica e nuclear;
- desenvolver novas capacidades em defesa cibernética;
- possuir adequada defesa antiaérea, principalmente contra mísseis; e
- proteger as infraestruturas de seus países.
As prioridades estabelecidas indicam uma forte tendência defensiva, com ênfase na tecnologia e em meios que exijam poucos recursos em pessoal para sua operação.
Isso foi em dezembro, mas dois meses depois a realidade europeia mudou.
Certamente, a anexação da Crimeia mudou o cenário da defesa europeia. A maioria dos países da OTAN reduziu fortemente seus efetivos e seus meios mecanizados.
Durante os vinte anos após o fim da guerra fria, a Rússia foi deixando de ser percebida como ameaça.
É duvidoso que os países europeus possam, sozinhos, deter um avanço das forças russas sobre a Ucrânia, principalmente se houve maciço emprego de blindados.
Tudo isso mostra que é verdadeira a velha lição de estar sempre preparado para o pior.

Que seja eterno enquanto dure

Costumo dizer que não acredito em bruxas e que nada é por acaso.
Repito sempre essa frase, mas é da boca para fora. Porque as bruxas existem, sim, e ultimamente há um monte delas andado soltas por aí, e as coincidências são o que mais acontece com todo mundo.
Peguei um livrinho qualquer. Capinha azul, fininho, poucas páginas, letras grandes, do jeitinho certo para quem quer somente preencher uns cinco minutinhos da vida lendo alguma coisa.
Fui folheando, bati o olho e arregalei. Li alguns trechos atentamente, reli e resolvi que tinha que lhes contar o que estava escrito.
Antes que alguém reclame, esclareço que o tal livrinho está impresso em inglês, e eu tive que traduzir os trechos para o meu sofrível português. Por favor, não se zanguem comigo quando descobrirem os inevitáveis erros de tradução.
O título do livro é “Conceitos Estratégicos para a Defesa e Segurança dos Membros da OTAN”.
Embaixo, em letrinhas miúdas: “adotado pelos chefes de estado e de Governo durante o encontro da OTAN em Lisboa, 18-20 de novembro de 2010.”
Pois é, logo hoje, o destino quis que eu abrisse justamente esse tal livrinho azul.
Dai, fui lendo e vejam só: no item 33, está escrito mais ou menos assim:
“A cooperação entre a Rússia e a OTAN é de estratégica importância assim como contribui para a criação de um espaço comum de paz, estabilidade e segurança. A OTAN não representa uma ameaça para a Rússia. Pelo contrário: nós queremos ver uma verdadeira parceria estratégica entre a OTAN e a Rússia [...] com a expectativa de reciprocidade da Rússia”.
Lindas palavras. Continuando, fui ao item 34:
“O relacionamento entre a OTAN e a Rússia baseia-se em objetivos, princípios e compromissos [... ] com especial respeito aos princípios democráticos e à soberania, independência e integridade territorial de todos os Estados na área Euro-Atlântica.”
Aí, fiquei emocionado com tão boas intenções, mas tem mais:
“Não obstante as diferenças sobre questões específicas, continuamos convencidos do entrelaçamento entre a segurança da OTAN e da Rússia, e de que uma parceria forte e construtiva, com base na confiança mútua, transparência e previsibilidade, pode servir melhor à nossa segurança.“
“Estamos determinados a fortalecer as consultas políticas e a cooperação prática com a Rússia em áreas de compartilhado interesse, incluindo defesa contra mísseis, contra-terrorismo, ações contra o tráfico de drogas, contra a pirataria e a promoção de uma ampla segurança internacional.
Leiam de novo e percebam que, há apenas três anos, os temas de cooperação estavam muito mais relacionados às chamadas “novas ameaças”, como o terrorismo e o crime organizado, do que a assuntos de defesa propriamente ditos.
Tenham certeza que tudo isso mudou desde a ocupação da Criméia.
Para terminar, é razoável afirmar que diplomatas russos e ocidentais estiveram presentes nas reuniões. Fico imaginando o final da reunião, depois de escreverem o rascunho das decisões, na recepção gentilmente oferecida por uma das luxuosas embaixadas, canapés e champanhe, sorrisos e apertos de mão. Nem seria tanta maldade imaginar diplomatas russos e franceses trocando beijinhos no rosto.
É gente, é bonita a história romântica da diplomacia internacional.
O amor entre as nações sempre é eterno, mas só enquanto dura.

segunda-feira, 17 de março de 2014

O bandido

Rússia e Ucrânia são muito longe daqui e, mesmo agora depois do referendo, a imprensa brasileira não dá o devido destaque à crise. Os fatos estão se desenrolando muito rápido, o que é assustador. Olhando de longe, os movimentos da Rússia seguiram o repertório esperado; de perto, a truculência na ocupação do território e no referendo indicam que a crise pode se agravar e alcançar o que antes era improvavel.

Já há os que vislumbram outras secessões no território ucraniano. Esses fatos nada têm de bom, pelo contrário. É muito arriscado quando duas potências militares do porte dos Estados Unidos e da Rússia se desafiam mutuamente.

A quase unanimidade das urnas da Crimeia pela reincorporação do território à Rússia foi uma conta de mentiroso. Ela indica que boa parcela dos votantes decidiu optar pela própria vida,  influenciada pelo poder da argumentação de um cano de fuzil apontado para sua cabeça.

Pior que o mentiroso, é o mentiroso que acredita na sua própria mentira.Quando a Argentina invadiu as Malvinas, os generais da junta militar, embalados pelo frenesi do sucesso inicial, se recusaram a negociar uma saída honrosa antes que o pior acontecesse.

O paralelo com a guerra das Malvinas é válido porque o mesmo pode acontecer no atual conflito da Crimeia.Um governante autocrata e ambicioso pode se embriagar com o sucesso e não deter o seu avanço. Ora, não foi isso que aconteceu quando Chamberlain não pôs freios em Hitler?

Quem porá freios em Putin? Para mim, a resposta é obvia. Aguardo os movimentos de Obama.

O antiamericanismo pode soar muito corajoso nos comícios, muito chique nas rodas socialistas socialaites, mas não se enganem, agora não é hora de torcer pelo bandido.

domingo, 16 de março de 2014

A soma de todos os medos

Ontem, discordei do Caio Blinder porque considero que a truculência russa na Crimeia ocorreria mesmo se a Rússia fosse uma democracia plena, pelo simples fato de que a ocupação daquela península correponde a um anseio do povo daquele país. Mas, é evidente que a autocracia de Putin o libera de vários entraves do jogo democrático e deixa o caminho livre para agir.

Putin acredita que a mudança do regime de Kiev foi maquinada pelo ocidente e, considerando imensas perdas e danos de uma Ucrânia na União Europeia e na Otan, resolveu agir. Sua ação foi rápida, fulminante, mas não precipitada, porque há reais motivos de interesse nacional russo em manter suas bases na Crimeia e os mísseis da Otan o mais longe possível de Moscou.

Lembrem-se da importância de Moscou como centro de gravidade do poder russo.

Sim, há fartos motivos para os movimentos russos na Crimeia. Mesmo assim, o referendo é uma farsa. Os votos colhidos hoje nas urnas da península serão o resultado da escolha de quem tem medo. Medo fabricado por quem já controla o território.

O mapa da Ucrânia com a suástica nazista representa bem a mentira fabricada. Há o medo da ameaça dos neonazistas, fundamentado numa mentira; e o medo das armas russas apontadas para a cabeça dos eleitores, o que é bem real.

O referendo é ilegal e mentiroso, mas servirá como verniz de legalidade para uma situação que já está definida.

A Crimeia já é da Rússia.

domingo, 9 de março de 2014

O estilo de Obama

Obama tem sido coerente ao longo de seu governo, evitando que os EUA protagonizem ações militares, embora forneça o apoio necessário para que elas ocorram.Na Líbia, os ataques aéreos foram desferidos por outros países da OTAN, como a França e a Itália; e Putin não precisou dispender esforço sobre-humano para convencer Obama a não lançar aviões e mísseis contra o governo de Assad. Além disso, Obama implementou a retirada das tropas americanas que ocupavam o Iraque e o Afeganistão. É verdade que ainda há soldados americanos naqueles países, mas como assessores militares.

Obama prefere um estilo cirúrgico, usando drones para matar seus inimigos sem maiores danos colaterais. A própria operação que levou à morte do Bin Laden pelas forças especiais dos EUA comprova que o atual presidente dos EUA é mais discreto que seus antecessores.

Já contei aqui o bunquer de Armaryiah, que visitei em Bagdá e onde mísseis americanos mataram mais de mil pessoas, a maioria crianças, durante a primeira guerra do Golfo. Acredito que aquele ataque não ocorreria com o atual ocupante da casa branca.

O estilo Obama se repete na crise da Ucrania, onde a diplomacia e as sanções econômicas do ocidente substituem canhões e mísseis e têm conseguido deter o avanço das tropas russas.

Honestidade intelectual

A ação militar russa na Crimeia era, sim, esperada, mas será que é legítima?
Evidentemente, a invasão de um país soberano contraria muitas leis internacionais. Mas, deixando de lado os aspectos jurídicos, seria legítimo um país invadir seu vizinho?
No caso da Crimeia, a resposta depende do grau de envolvimento do ocidente nas revoltas que derrubaram o antigo presidente da Ucrânia. Será que o ocidente foi um espectador dos acontecimentos, seu envolvimento limitou-se a um estímulo moral, uma torcida ou será que houve orquestração e financiamento das revoltas?
Cinquenta mil pessoas protestando numa praça representam 40 milhões? Não? Ah, e se forem quinhentos mil? E cinco milhões? E se esse protesto envolver tiros na polícia, ataques violentos, intransigência? Ah, e quando for o caso de um presidente inepto, levando seu país ao caos político e econômico, com imensas passeatas de protesto, há movimento de tropas e o presidente foge, isso é golpe ou é revolução? E se esse país não for a Ucrânia de 2014 mas o Brasil de exatos cinquenta anos atrás?
Eu não acho essas perguntas fáceis, mas é bom pensar nelas para pelo menos saber qual é o grau de nossa própria honestidade intelectual.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Quebrando o crânio na Ucrânia

O  Caio Blinder vem publicando no seu blog uma série de artigos sobre a crise da Ucrânia. No texto de hoje, uma frase me chamou a atenção: “Putin poderá até vencer a batalha da Crimeia, mas perderá a guerra da Ucrânia."
Para a Rússia, a Criméia é importante sob o ponto de vista militar, pois aquela península abriga o único porto russo capaz de operar durante todas as estações do ano.  Por outro lado, a Ucrânia além de ser muito relevante militarmente; é fundamental para o projeto geopolítico russo de voltar a ser uma superpotência, um projeto que corre contra o tempo.
Os anos 1990 iniciaram-se com o esfacelamento do império soviético e o ressurgimento, dentre outros países, da Rússia e da Ucrânia, ambos muito enfraquecidos economicamente.
Nas duas décadas seguintes, a Ucrânia enfrentou crises de natureza política, resultantes da divisão de seu território em áreas com maior e menor influência da Rússia e da Europa Ocidental, respectivamente. Pelo lado russo, houve a consolidação do poder político do grupo capitaneado pelo presidente Putin, bem como o revigoramento de sua economia, embora em ritmo insuficiente para contrabalançar o crescimento vigoroso da China.
Faz pouco tempo, os Estados Unidos declararam que o eixo de seus interesses estratégicos se deslocava para o Pacífico. Essa mudança é motivada pela ascensão econômica e militar chinesa e é cada vez mais provável uma nova bipolarização do poder mundial, dessa vez entre os EUA e a China.  Isso é bem provável, mas o governo russo ainda vislumbraria possibilidades de alterar essa tendência.
O aprofundamento da crise da Ucrânia interrompe uma sucessão de ganhos políticos pelo presidente Putin. Ele mereceu destaque pela sua atuação ao evitar um ataque dos EUA contra a Síria e mostrou habilidade na exploração política dos jogos olímpicos de inverno. Tudo isso aumentou seu prestígio tanto no plano interno de seu país, como internacionalmente.
O início da semana passada prometia ao Kremlin uma grande oportunidade de recolocar a Ucrânia na sua esfera de influência. Os acontecimentos seguintes contrariaram as expectativas russas de um jogo fácil.  Os adversários, que antes pareciam desinteressados, endureceram a partida. O presidente Putin parece que perdeu a iniciativa das ações.
Por fim, é cedo, o jogo ainda não acabou e está indefinido, mas a tendência do momento é que as peças russas terão que voltar algumas casas no grande tabuleiro do jogo de poder.

quarta-feira, 5 de março de 2014

A taça

Parece mesmo que a competência de Putin venceu novamente o talento de Obama.

Eu temia uma invasão armada da Crimeia pelos russos, mas agora duvido que isso ocorra. Tenho lá meus motivos para isso. Em primeiro lugar porque eles já estão lá em suas bases militares, em territorio ucraniano e pagando aluguel pela ocupação. Depois, há o fato de 60 porcento da população da península ser de origem russa.Alguém pode então dizer que há outros 40 porcento que não são russos. É verdade, mas se houver um referendum sobre o destino do território, a maioria vence.
Putin não precisa invadir nada. Basta manter suas tropas em posição deixando o bicho rosnar e latir,  mas mantendo-o preso na coleira. Em resumo, o russo está à frente no placar, batendo seu colega americano em mais um jogo de poder, e parece que levará outra taça para sua sala de trofeus no Kremlin.

terça-feira, 4 de março de 2014

Um pouco da história recente

Os anos 1990 foram os da hegemonia do neoliberalismo no mundo ocidental, algo amplamente aceito e seguido porque era percebido como benigno. Os EUA ditaram os rumos da história num período em que a China não era ainda tão poderosa e a Rússia estava bastante enfraquecida.
Daí, Bin Laden deu seu jeito e transformou o mocinho em bandido.
A invasão do Iraque é pedra angular da história mundial. Quando lhe interessou, o grande líder mundial passou por cima dos mecanismos de estabilidade internacional que ele mesmo promovia. A guerra ao terror deixou milhares de mortos e feridos e também provocou cicatrizes no prestígio dos EUA.
Putin chegou ao poder em Moscou no final do ciclo da hegemonia norte-americana e, desde então, vem liderando a Rússia de volta ao papel de grande potência mundial. Ele é insuperável no atual cenário político russo.
Os EUA e a UE toleraram suas ações na Chechênia e na Geórgia, lugares remotos aos olhos ocidentais. O noticiário de hoje indica que finalmente Putin encontrou seus limites. Duvido que invada a Ucrânia. Tomara que eu esteja certo.

Putin

Escrevi o seguinte comentário no texto publicado hoje no blog do Caio Blinder.

Não acho que o Putin seja a encarnação do mal. Ele é um nacionalista e usa o nacionalismo como justificativa para suas intervenções nos países vizinhos, mas seu objetivo não é anexar novos territórios à gigantesca Rússia. Seu objetivo é elevar seu país novamente à condição de superpotência.
Putin é produto da ortodoxa máquina soviética. Não tolera dissidentes simplesmente porque não é um democrata. Ele é e sempre será um comunista soviético. Quando pode, atua com mão de ferro. Mantém seus inimigos em estreita vigilância e não deixa grupos como Greenpeace, Pussy Riots e Black Blocs atuarem no seu território. Afinal, anarquistas são úteis para tumultuar as democracias ocidentais, mas não podem agir na eterna pátria do comunismo mundial.
Putin é um político inteligente, capaz, exibicionista e ambicioso. Não há quem o vença no atual cenário político russo. No plano externo, é bom não dar corda para ele.
A guerra fria não acabou, não. Ela se transformou e é bom mesmo ter cuidado com o Putin.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Otimismo

A séria série do samba do russo doido está bombando e não é a toa. A perspectiva de um conflito armado consegue ser sombria e empolgante ao mesmo tempo.
Passei meu carnaval acompanhando a crise na Ucrânia, os movimentos de tropas e de políticos. A falta de novas notícias relevantes nas últimas horas é auspiciosa. Num mundo tecnológico e globalizado, isso significa que, no momento, nada está acontecendo e estão todos em compasso de espera. Menos mau!
Putin deixou os tanques do outro lado da fronteira e parece mesmo que eles ficarão por lá. A hora é de botar água na fervura e de buscar uma saída diplomática que deixe todos, se não satisfetos, pelo menos aliviados.
É bem provável que eu seja um ingênuo, mas quem é otimista tem que pensar positivamente.  

Come ou não come Friboi?

Enquanto aviões russos cruzam os ceus da Crimeia, os noticiários brasileiros continuam apostando em quem ganhará o desfile de carnaval e quem pegará quem no BBB.

A grande dúvida do momento é se Roberto Carlos come ou não come Friboi.


É, aimigo, a Ucrãnia fica mesmo muito longe daqui.


Um colega me enviou uma postagem de um ucraniano no Facebook. Ele, um militar experimentado em missões de paz, tem medo da invasão russa e pede que rezem pela sua pátria. Não quer ver nela o que viu na Bósnia e no Kosovo.


Eu atendo o pedido e peço para Deus pela paz. Que tudo se resolva bem, sem mais sangue derramado, nem que seja para tudo voltar ao que era antes no Quartel de Abrantes.


E também para que deixem o Roberto Carlos comer o que lhe der na telha

Falta alguém rosnar de volta

De ontem para hoje, a água ferveu menos no bule, mas não foram os EUA que baixaram o fogo.
Acontece que Putin não é maluco nem burro. O butim da Ucrânia não vale o diesel de seus tanques ou o emprego de seus concidadãos. Se o nacionalismo é um forte argumento, prestígio político e economia também importam e há muito a perder em jogadas desastradas.
Dinheiro, credibilidade e muitos outros fatores entram na equação e se o presidente russo é um jurista-espião de formação, também é um sujeito vivido e sabido em cálculos políticos.
Continuo com minha opinião. Para Putin, basta deixar que a facção ucraniana pró-russa faça seu trabalho. Para que invadir aquilo que lhe será entregue mais tarde?
Eu me alinho com a Carmem, que estranha que a maior potência do planeta não rosne de volta para os latidos do bicho grande e feroz que Putin mantém na coleira.
Latir e rosnar também valem no jogo político. É bom ter um bicho grande e feroz na coleira. Ele nem precisa morder, só intimidar.
Os EUA teriam que mostrar os dentes com cuidado, sim, para não escalar a crise; mas é preciso pelo menos rosnar, porque o silêncio é convidativo para quem é muito ousado ou pouco ajuizado.
Não se pode dar corda a político ambicioso.
Chamberlain que o diga.

domingo, 2 de março de 2014

Bicho na coleira

No Brasil, o clima de carnaval não combina muito com mais essa crise na Europa. Os portais brasileiros na Internet estão fartos de seios e nádegas, fofocas de BBBs pelados debaixo do edredon ou de modelos-e-atrizes peladas na avenida. Os noticiários da TV não são muito diferentes e vamos tocando o samba por aqui. Quem quiser se informar sobre a Crimeia vai ter que rebolar sem sambar.
Convenhamos que Ucrânia e Rússia estão muito longe da terra brasilis e arrisco dizer que o pensamento dominante por aqui é que se eles são russos, eles que se entendam.
No hemisfério norte, contudo, o buraco fica mais embaixo. Acabo de ver o site da CNN e só dá Ucrânia por ali. As páginas do Washington Post, do New York Tim, da BBC e do El País também são fartos de notícias e análises sobre a crise.
E aí, chegamos no Caio Blinder, o brasileiro que escreve lá de Nova Iorque e dá seus pitacos em civilização, direitos humanos, geopolítica e outras picuinhas. Legal. 
O post do Blinder & Blinder me levou ao texto da Julia Loffe, publicado no New Republic. A moça é mesmo bonita e escreve bem, mas acho que exagerou na dose. Seu artigo é muito pessimista. Para ela, Putin vai entornar o caldo na Ucrânia e fará isso porque quer, porque pode e porque pensa diferente da gente ocidental. E ponto final. Nem ONU, nem OTAN, nem EUA, nem ninguém podem parar as ambições desmedidas do atual czar do kremlim.
Será mesmo? Acho que não.
Acho que Putin tem vontade e poder, mas não é doido. As tropas russas estão na fronteira com a Ucrânia rugindo os motores de seus tanques, prontos com seus mísseis e com a faca nos dentes.
O bicho é feroz e assusta, mas está preso na coleira. 
Vamos ser um tantinho pragmáticos. O que Putin tem a ganhar e a perder com tudo isso?
No primeiro ato dessa peça, tudo a ganhar. Uma Ucrânia dividida e quase em guerra civil; a OTAN enfraquecida e os EUA bem longe dali. Não há mesmo como deter o ataque das forças russas.
Mas, e depois?
O presidente da Rússia sacou a pistola, mas vai mesmo atirar?
Só se for para o alto. Ele quer mesmo é intimidar. Está jogando para a plateia dos russos votantes e mostrando para o mundo que a Rússia é, sim, uma protagonista no teatro das nações.
O PIB russo pode ser pequeno comparado com os do EUA, China ou Japão, mas eles continuam sendo um ator global. Querem voltar a ser superpotência e não gostam que mexam no status quo de seu quintal. Por isso é que gastam o que gastam em armas e tecnologia de defesa (ou ataque) e mantêm uma diplomacia e um serviço de inteligência de primeiro nível.
Como vimos, no primeiro ato dessa peça, ninguém conseguiria conter a evolução da Rússia. Mas, e depois? Pois é. No depois, a vaca tosse e o bicho pega, porque Ucrânia não é Síria e quem leu a história de Chamberlain e Hitler sabe que não se pode dar corda a políticos ambiciosos. Uma eventual invasão da Crimeia ou do leste ucraniano poderia levar a uma guerra. Nem EUA, nem OTAN, nem China gostariam que os russos avançassem uma casa no jogo geopolítico internacional.
Dá até medo pensar nisso. Uma outra encrenca na europa oriental, exatos cem anos atrás, levou o mundo a duas guerras mundiais, com suas centenas de milhões de mortos.
Para mim, Putin está mais para um Jack Ryan do Kremlin do que para um novo Hitler ou Stalin. Ele inteligente, poderoso, ambicioso e  exibicionista, mas não é maluco. 
Não acredito em invasão da Ucrânia e torço ardentemente para que isso não ocorra. Diferente da Julia Loffe, acho que os russos não gastarão o diesel de seus tanques invadindo o país vizinho. O que eles querem é que o exército ucraniano não intervenha na Crimeia quando a população de lá decidir voltar a ser território russo. Isso seria uma outra etapa dessa crise, mas com grande ênfase na diplomacia e um verniz democrático. O fogo estaria mais longe do barril de pólvora.
Para que invadir se é possível ganhar tudo com muito menos riscos?
Por fim, o bicho é grande, feio, feroz, vai rosnar e latir, mas é para botar medo. Ele continuará preso na coleira.
Só é bom não chegar muito perto, que ele morde.












sábado, 1 de março de 2014

Mais Ucrânia

Dizem que não se deve sacar uma arma a não ser que se esteja disposto a usá-la. Isso vale para militares e policiais, mas Quando a escala da encrenca envolve forças militares, a coisa muda de figura. Os russos botaram a tropa na fronteira e ameaçam derrubar a porta da Crimeia com um chute. Sacaram a pistola e estão com ela na mão, mas será mesmo que vão atirar?

Dei uma olhadinha nas estatísticas do SIPRI, instituo de pesquisa de Estocolmo e que estuda assuntos militares, e descobri que no ano passado a Rússia gastou mais de 90  bilhões de dólares com suas forças armadas enquanto a Ucrânia menos de cinco. O arsenal da Rússia é para lá de volumoso e de boa qualidade, sua tropa é adestrada, são bons de tanques e mísseis e até bomba nuclear eles têm de montão. Além disdo, sua ação em 2008 no conflito com a Geórgia mostra que eles são bons de guerra cibernética e seu serviço secreto não hesita em empregar meios pouco ortodoxos, tais como envenenar seus adversários com ricina ou polônio.

Para piorar a sitação do atual (des) governo de Kiev, a Ucrânia não é membro da OTAN, os países europeus têm reduzido drasticamente o tamanho de suas forças armadas e os EUA mudaram o eixe de seu interesse geopolítico para o extremo oriente.

Com o perdão do trocadilho, a situação tá russa lá pros lados de Kiev, mas ainda não é hora de jogar a toalha. Ucrânia não é Síria e arrisco que nem os russos estão a fim de mudar o status quo ante bellun, ou, sendo mais claro, o equilíbrio de poder da região.

Tem gente que chama a Rússia de potência média. Eu discordo. Ela tem poder para projetar força para muito além de seu quintal e poder de veto no conselho de segurança da ONU. Mas, se o grande poder russo implica em grande responsabilidade, ele também reflete que o país tem interesses globais.

É como um tabuleiro de xadrez; quem ataca de um lado se expõe do outro e não é bom a Rússia ficar de mal com os EUA quando tem uma poderosa China na fronteira do outro lado, isso só para citar as ameaças mais evidentes.

Meu palpite? O bule tá cheio de água quase fervendo, mas quando o apito tocar, alguém vai apagar o fogo.