Um amigo postou no WhatsApp.
Mas as coisas não aconteceram exatamente assim.
Decolando de Belo Horizonte, um passageiro se levantou e, armado com um revolver calibre .32, iniciou o sequestro da aeronave.
O passageiro, Raimundo Nonato Alves da Conceição, estava com raiva da política econômica brasileira, dos rumos do país, e por isso resolveu se vingar.
A vingança pretendida:
Sequestrar um avião e jogá-lo contra o Palácio do Planalto, bem no local onde fica o gabinete do Presidente.
Com isso, Raimundo pretendia matar aquele que ele considerava o grande vilão da história: Jose Sarney.
Pode parecer piada, mas a coisa foi feia.
Exigindo que a porta da cabine fosse aberta, Raimundo atirou em um comissário.
Com a porta ainda trancada, Raimundo começou a atirar contra a cabine (as portas ainda não eram blindadas).
Um tiro acertou o piloto reserva na perna, fraturando-a.
O outro, acertou o painel.
Diante do risco que representava aquele homem atirando a esmo dentro de uma aeronave em pleno voo, o piloto abriu a porta e Raimundo anunciou seu plano, que representava a morte dos 98 passageiros e 7 tripulantes, fora possíveis vítimas em terra.
O piloto, Fernando Murilo de Lima e Silva, conseguiu avisar sobre o sequestro, acionando, o transponder da aeronave, o código que indica interferência ilícita.
Também conseguiu informar a torre de comando acerca dos planos envolvendo a Palácio do Planalto.
Nesse momento, a 1ª vítima fatal do sequestro.
Quando a torre responde ao piloto, foi o co-piloto, Salvador Evangelista, quem fez menção de responder.
Provavelmente, um movimento brusco foi interpretado como reação.
O co-piloto foi morto na hora com um tiro na nuca.
Com dois colegas baleados, um colega morto, surge o sangue frio e a perspicácia do grande herói dessa história: o piloto Fernando.
Ele percebeu que morrer seria inevitável, então começou um perigoso processo de convencimento com o sequestrador em busca de uma improvável solução.
Durante todo esse período, o Voo VASP 375 era seguido de perto por caças Mirage da FA, que tinham ordens de abater o voo, sacrificando os passageiros, caso surgissem indicações de que a aeronave seria usada contra algum prédio da capital.
Nesse ponto, o sequestrador toma outra decisão: exigiu que rumassem para São Paulo, provavelmente em busca de outro alvo.
O piloto Fernando novamente argumentou que o avião não tinha combustível para tanto.
Sugeriu então um pouso no Santa Genoveva, em Goiânia.
Enquanto a discussão se dava entre os dois, o piloto Fernando, disfarçadamente, rumou para Goiânia, afastando o avião de Brasília, cheia de potenciais alvos.
Por fim, diante da recusa de pousar em Goiânia, e das ameaças que só faziam crescer, o piloto tomou mais uma decisão.
Primeiro, ele tirou o avião do piloto automático e fez uma manobra chamada tonneau (manobra em que o avião dá uma volta completa ao redor de seu eixo).
Ele pretendia, com isso, fazer o sequestrador cair e, assim, tomar a arma dele, mas isso não deu certo.
Depois, ele partiu para a cartada final: o parafuso, manobra em que o avião perde a sustentação e cai de bico, girando as asas como um pião.
A ideia do piloto era descer 9 mil pés durante a manobra, fazer o sequestrador cair e imediatamente efetuar o pouso em Goiânia.
Anos depois, Fernando falou:
"Eu pensei, como vou morrer mesmo, vou arriscar. Parti para o tudo ou nada. Já que vou morrer, vou morrer brigando porque, pelo visto, ele não ia me deixar pousar.”
Fernando conseguiu fazer cair o sequestrador e pousar com tranquilidade.
Mas ele logo se recuperou e seguiu com o sequestro.
Era perto de 13h45 quando o pouso ocorreu.
Em terra, as negociações continuaram. O aeroporto foi cercado por agentes do EB e da PF, que quase invadiram a aeronave, mas foi, novamente, o piloto Fernando quem deu rumo às coisas.
Ele convenceu o sequestrador a pedir um avião menor, com bastante combustível, e com essa 2ª aeronave, ir em busca de sua vingança.
O sequestrador aceitou, mas exigiu que Fernando seguisse pilotando, o que o piloto aceitou.
Sua vida em trocar de 103 sobreviventes.
Todos os feridos foram atendidos em hospitais de Goiânia.
Nessa nova negociação, o sequestrador foi baleado pela equipe especial da Polícia Federal.
Fernando, o piloto reserva e o comissário baleado não corriam risco de morte.
Nem o sequestrador, nas informações prestadas pelo hospital. Misteriosamente, 3 dias depois, Raimundo Nonato morreu de forma estranha, segundo consta, foi vítima de anemia falsiforme.
No fim, o piloto Fernando, grande herói do sequestro, conseguiu salvar 104 vidas e evitou que tivéssemos um 11 de setembro muito antes das Torres Gêmeas.
Por seu feito, foi condecorado com a Ordem do Mérito Aeronáutico, a mais alta distinção honorífica do Comando da Aeronáutica.
Contudo, nunca recebeu qualquer palavra de agradecimento do Presidente Sarney, que se quedou calado acerca do sequestro.
_“Ele nunca me dirigiu a palavra. Nunca me agradeceu. Mas não tenho mágoa. Estou tranquilo com minha consciência e sei que fiz meu papel”_
E, até hoje, as manobras que o piloto Fernando efetuou naquele 29/09/1988 não são reconhecidas pela Boeing, que afirma categoricamente SER IMPOSSÍVEL FAZÊ-LAS EM UM BOEING 737-317.
O capitão Fernando provou serem possíveis.
É que esse herói pouco conhecido, o piloto Fernando, morreu ontem, em Búzios, aos 76 anos de idade.
Morreu com o crédito enorme de ter salvado 104 vidas e de ter agido, quando muitos não fariam nada.
Por isso, essa singela homenagem.
Que o comandante Fernando vá em paz, e que fique sua lição de altruismo, em tempos tão duros de egoismo e individualismo.
FIM
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