domingo, 21 de setembro de 2014

Escócia

Gostei do resultado do referendo na Escócia. Os tempos de William Wallace ficaram mesmo para trás. O líder escocês do século XIII revoltara-se contra a tirania inglesa. Ele foi morto, mas inspirou o sentimento de identidade de sua nação.
Escócia e Inglaterra foram inimigos por muito tempo, mas acabaram forjando a união britânica em 1707, mesmo com motivações diferentes. Os ingleses movidos por razões geopolíticas, os escoceses por razões econômicas.
É curioso, mas as preocupações geopolíticas e econômicas voltaram ao centro do debate nas campanhas do sim e do não. A separação trazia o perigo do enfraquecimento de todos. As urnas escocesas mostraram a força da identidade nacional britânica e a percepção de que as vantagens em pertencer à Grã Bretanha superam as promessas de prosperidade, meio vagas, dos que defendiam a independência.
Por fim, o bom senso venceu o referendo. A razão foi mais forte que a emoção.

sábado, 13 de setembro de 2014

Irã atômico

Pelo que tenho acompanhado, o Irã já domina a tecnologia de enriquecimento de urânio.
É claro que o programa nuclear iraniano tem outros propósitos além da produção de energia termoelétrica, mas, antes de condenar o regime dos iatolás, é preciso considerar alguns fatos.
O primeiro é que o entorno regional iraniano apresenta de um lado o Paquistão e a Índia, e do outro Israel, os três possuindo seus próprios artefatos nucleares.
O segundo é que é legítimo que um país busque o domínio de um setor tecnológico. O que não é legítimo é a obtenção da arma atômica, seja por aquisição ou por desenvolvimento próprio.
O domínio da tecnologia de enriquecimento de urânio por si só já representa um poderoso elemento dissuasório contra eventuais ameaças.
Não percebo nenhum sinal de que o Irã já possua alguma arma atômica e, neste momento, um ataque contra as instalações nucleares iranianas seria catastrófico para as tentativas de estabilização regional.

Um leão por vez


Os EUA definiram sua  estratégia no Oriente Médio há muitos anos. Até a Primeira Guerra Mundial, toda aquela porção de terra do planeta era percebida apenas como a ligação entre o Egito e a Índia; depois da segunda guerra, como simples fornecedor de petróleo para os países desenvolvidos. 
Israel é um importante componente da equação geopolítica daquela região. As guerras de 67 e 73 conjugaram-se com o nacionalismo árabe da época e redundaram na crise do petróleo, que afetou as economias de todo mundo, e o terrorismo dos anos setenta, com atentados sangrentos e de viés esquerdista, alguns financiados e coordenados pela URSS.
A revolução teocrática iraniana de 79 é o marco temporal mais importante da contemporânea estratégia americana para o Oriente Médio. A partir dela, os EUA perseguem um grande objetivo de manter o status quo da região, buscando assegurar a consolidação do estado israelense, percebido como um quisto de democracia e prosperidade numa região dominana pelas oligarquias dos petrodólares.
É claro que nos 35 anos que seguiram ao domínio dos iatolás no Irã houve a ascenção e queda de Saddam Hussein, mas o ditador iraquiano deve ser compreendido como efeito, e não como causa, da instabilidade regional.
Obama continua perseguindo o grande objetivo estratégico americano, só que a fluidez dos acontecimentos no Oriente Médio o obriga a matar um leão a cada dia. Ele apenas vai matando aqueles leões que estão mais perto e isso causa alguma confusão.
 A morte de Osama Bin Laden e a retirada das tropas americanas no Iraque pareciam sinalizar um período inédito de estabilização regional, permitindo até que os EUA pudessem alterar o eixo de seus interesses estratégicos do Oriente Médio para a China. Contudo, o conflito na Síria e o fracasso do governo iraquiano em consolidar-se democraticamente obrigaram Obama a rever seus objetivos intermediários.
Por fim, ressalto que o Oriente Médio deixou de ser apenas um ponto de ligação entre o Egito e a Índia ou um mero supridor de petróleo. Nos últimos cinquenta anos, tem sido o foco das maiores preocupações mundiais. Não é lugar para amadores, mas para quem consiga matar os leões devoradores da paz.

sábado, 6 de setembro de 2014

Traspassados

Algumas observações.
- Na primeira grande guerra, soldados traspassados por tiros no abdômem gritavam por suas mães antes de morrer.
- Às vésperas do ataque a Pearl Harbour, o Comando da Marinha Imperial cogitou permitir a quebra do silêncio radiofônico pelas aeronaves que fossem abatidas. Os pilotos japoneses protestaram. A vida de um indivíduo pouco valia diante dos destinos do Império; que deixassem os abatidos morrer dignamente em silêncio.
- O povo americano se opôs à entrada de seu país na segunda grande guerra até que o trauma do ataque japonês o impeliu ao conflito.
- Os alemães, derrotados e humilhados em 1918, elegeram Hitler, abraçaram o nazismo e permitiram o holocausto.
- Europeus desempregados protestam por falta de perspectivas. A crise econômica leva seus governantes a cortarem drasticamente os gastos públicos.
- O povo russo se redescobre grande e poderoso e apóia Putin; a mãe Rússia não permitirá o expansionismo da OTAN em suas fronteiras.
- Depois de anos de campanha no Iraque e Afeganistão, os soldados americanos retornam à sua casa menos dispostos a aceitar novos conflitos. Bin Laden está morto e o 11 de setembro está cada vez mais longe no passado.
- No deserto do Iraque, um grupo radical sunita captura centenas de soldados inimigos, os humilha e executa impiedosamente.
A história não acabou. Ela resulta da ação dos governantes, que, em maior ou menor grau, realizam os anseios de seus povos. A crise na Ucrânia reflete os interesses e valores de sociedades diferentes e antagônicas. Eu me pergunto se o pensamento liberal e democrático poderá algum dia  prevalescer em todas partes do mundo. Os acontecimentos recentes gritam qu não.

OTAN


Recentemente, Francis Fukuyama afirmou que a OTAN deixou de ser uma aliança militar para se transformar num instrumento de promoção dos valores políticos dos EUA e da Europa Ocidental. É curioso que o mesmo autor que publicou o fim da história, duas décadas atrás, hoje reconheça um de seus efeitos mais evidentes.
A queda do Muro de Berlim e do Império Soviético marcaram a vitória do liberalismo e sinalizavam um longo período de predomínio daquela  ideologia. A partir de então, a União Europeia cresceu com a adesão de antigos membros do bloco comunista e consolidou-se com medidas de integração econômica. Ao mesmo tempo, uma Rússia enfraquecida via seu poder militar desmilinguir-se e enfrentava as rebeliões separatistas do Cáucaso.
Esse cenário levou a que se questionasse os propósitos da OTAN. Sem o inimigo de sempre, aaquela aliança encontrou novos adversários no terrorismo, crime organizado e narcotráfico. As chamadas novas ameaças relacionavam-se muito mais com a segurança pública do que com a defesa propriamente dita.
Sim, a OTAN foi realmente empregada como força armada nas intervenções na antiga Iugoslávia e no Afeganistão, mas guardou a tendência de se tornar uma estrutura cara e dispensável.
Os recentes movimentos de Putin servem como um choque de realidade. A OTAN foi criada com um propósito, ae afastou dele e precisa voltar a cumprir a finalidade de sua criação.
Os EUA exercem indiscutível liderança na OTAN. O longo tempo de reação de Obama aos movimentos russos na Ucrânia indicam mais hesitação do que prudência. As sanções impostas à Rússia podem ser efetivas, sem necessidade de um conflito militar, mas seus efeitos serão percebidos apenas em médio prazo.
Enquanto isso, Putin permanece ameaçando a integridade ucraniana e amedrontando os vizinhos do leste europeu e do Báltico.
Pela garantia da paz, é mesmo preciso impedir o avanço militar russo. Já é tarde, mas isso é melhor do que nunca.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Quem mandou acreditar em papai noel?


A OTAN surgiu há 65 anos para proteger a Europa contra o expansionismo soviético. Quando o muro caiu e a União Soviética se esfarelou, foi preciso encontrar novas ameaças que justificassem a existência dquela aliança.
Poucos anos atrás, os governantes europeus ditavam o rumo da OTAN no sentido de aproximação com os russos, buscando temas de interesse comum que levassem à cooperação.
Agora, a OTAN se vê novamente diante do velho inimigo e, depois de tantas décadas de existência, não sabe bem o que fazer.
Os gastos militares da maioria dos seus membros não alcançam o necessário para assegurar sua segurança. Investe-se em drones, vigilância e em forças de ação rápida. Tudo muito leve e enxuto, embora não necessariamente barato. Ao mesmo tempo, a estrutura de defesa dos países europeus vai perdendo gente e encolhendo.
Isso é compreensível. A crise econômica persiste no velho continente, com desemprego em alta e receitas em baixa. O dinheiro é mais necessário para manter a vida dos mais pobres do que para comprar mísseis e tanques. 
Não era hora do Putin anexar a Crimeia e tocar todo esse banzé na Ucrânia. Ele não devia fazer nada disso, mas fez. Não gostou de terem derrubado o governo anterior da Ucrânia sem terem sequer lhe pedido autorização.
Agora, todos e até a OTAN estão metidos até o pescoço nessa encrenca. Culpa dos ucranianos, que levaram a sério essa história de democracia e livre determinação dos povos. Culpa deles, que fizeram o que fizeram sem combinar antes com os russos.