domingo, 24 de junho de 2012

Caminho de Pedras

Agorinha mesmo, terminei de ler o "Caminho de Pedras", da Rachel de Queiroz. Ela terminou de escrevê-lo em outubro de 1936; eu o comprei em 1987 e só me dignei a lê-lo vinte e cinco anos depois. O livro passou todo este tempo encaixotado ou esquecido em armários e estantes, me acompanhando pelos diferentes destinos que a farda me conduziu.

Quanto terminou o "Caminho de Pedras, Rachel de Queiroz tinha vinte e seis anos e já era uma escritora pronta, autora de romances que brilhavam pela correção gramatical, pela construção inovadora e frases inteligentes. Ela, como poucos, mereceu seu assento na Academia Brasileira de Letras. Era comunista, mas, diferente de tantos outros vermelhos, galgou por si mesma a trilha do sucesso.

Sou um anticomunista visceral e Rachel era vermelha. Eu a compreendo. O vermelho parecia, na década de 1930, responder aos anseios dos inconformados de tantos absurdos que se praticavam naqueles tempos. Depois, sei que ela se deparou, decerto vexaminada, com as barbaridades de Stalin e outros tantos algozes da foice e martelo. 

Meu anticomunismo é visceral, mas decorre mesmo é do repúdio ao despotismo, autoritarismo, corrupção, vagabundagem, crueldade e oportunismo repetidamente demonstrados pelos dirigentes vermelhos. 

Entendo a utopia, o sonho, a vontade de mudar que move a juventude, angustiada em ver os problemas do mundo. Os jovens de sempre são idealistas, mas também arrogantes, porque pensam que transformarão a sociedade, que não falharão onde os jovens de todos os outros tempos falharam.

O grito de guerra da juventude de quarenta e tantos anos atrás era para não confiar em quem tivesse mais de trinta. Aqueles que bradavam esse grito hoje são homens e mulheres de quase setenta. Devemos mesmo confiar neles?

A história do Caminho de Pedras é triste e reveladora. Triste porque as personagens sofrem quando perseguem sua utopia; reveladora porque mostra que a utopia da foice e do martelo esmaga o sonho de liberdade e justiça. 

Para os vermelhos, o coletivo sempre predomina sobre o individual. Parece justo, mas não é, pois por detrás das palavras de ordem, sempre prevalescem os desejos dos dirigentes mais espertos. A foice e o martelo são apenas instrumentos para dominar os indivíduos. As pessoas não passam de pedaços de carne prontos para serem moídos pela máquina do Partido.

Séculos atrás, quem dissesse que o homem era o centro do universo seria queimado vivo pelos bispos da Igreja; e, talvez por mera coincidência, as roupas daqueles bispos eram vermelhas. Duas ou três centenas de anos mais tarde, os revolucionários da França gritavam Liberdade, Fraternidade e Igualdade; se cobriam com barretes também vermelhos; eram povo e se julgavam a si mesmos infalíveis quando  conduziam nobres e plebeus, culpados e inocentes, ao patíbulo da guilhotina.

Cem anos atrás, finalmente o movimento comunista alcançava seu momento de maior glória, com a revolução russa de 1917. Os vermelhos não foram os únicos culpados, mas tiveram grande culpa nos mandos e desmandos que vitimaram tanta gente nos anos seguinte.

Morte em nome da ideologia. Tem sido assim desde sempre.

Não sou mais jovem e não acredito em utopias. Prefiro ser carregador de piano do que concertista, pois sei que dá muito trabalho transformar o mundo. Essa transformação tem que acontecer com muito suor, pela vontade de todos e não conduzida por uma minoria engajada e quase sempre destituída da virtude essencial de respeitar à opinião alheia.

Qual é a resposta para as injustiças? Certamente, não são as bandeiras vermelhas, nem as fogueiras, tampouco a guilhotina. Regresso à Revolução Francesa e sigo adiante na história. Daí, me deparo com a pilha de cadáveres produzida pelos brados de igualdade e de liberdade.  A resposta, então, está no brado esquecido, o da fraternidade.

Fraternidade significa respeito pelo próximo, abnegação, doação e, sobretudo, fazer o certo, sempre, custe o que custar e por mais difícil que pareça.

Não vale roubar ou matar ou mentir em nome de uma ideologia. Nenhuma causa pode ser maior que o ensinamento de amar ao próximo. Ensinamento cristão, convenientemente esquecido mesmo pelos bispos de hoje, tão engajados na libertação dos pobres.

O Caminho de Pedras foi um bom livro. Levei muito tempo para lê-lo. Ainda bem, pois eu, com a maturidade dos quarenta e tantos anos,  o saboreei e compreendi muito melhor que o jovem de vinte e cinco anos atrás o poderia fazer.

Tudo tem seu tempo e sua hora, os do "Caminho de Pedras" tiveram que ser agora.

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