sábado, 14 de setembro de 2013
Mal menor
Admiro a atitude de Robert Kaplan em admitir um erro que teria cometido. Li seu artigo e o considerei consistente, mas discordo de sua análise.
Kaplan diz que um bom analista teria que formular seu trabalho pensando em cinco ou seis etapas adiante. Ora, isso seria muito temerário, pois os acontecimentos sempre carregam um elevado grau de incerteza.
Pode ser que um mestre do xadrez consiga antecipar cinco ou seis jogadas adiante de seu adversário, mas isso é bem diferente de se prever, na vida real, as consequências a longo prazo de um fato no presente.
A incerteza é ainda maior quando se trata do Oriente Médio, onde povos milenares coabitam países artificialmente criados, com menos de cem anos de existência juridicamente aceita. Lembro que aqueles mesmos países foram construídos em território que pertenceu, por séculos, ao Império Otomano, sem notícias de maiores instabilidades. Contudo, ao longo de um século, o que era tranquilo se transformou numa região onde afloram as rivalidades, onde a violência assusta pela sua extensão e profundidade.
Não ouso prever o que ocorrerá naquele canto do planeta. Acho que ali funciona melhor o ditado que diz que o futuro a Deus pertence.
Um segundo aspecto quanto à análise de Kaplan diz respeito à ideia do mal menor. Não acredito nesse conceito. Recordo que, na vida, não existe um pequeno câncer ou uma pequena gravidez. O que é pequeno hoje, amanhã pode lhe consumir o corpo e a alma. Assim também é com os regimes de governo. Não se pode pensar numa ditadura inofensiva ou até mesmo do bem, funcionando como como uma rolha impedindo que se libere o mal contido numa garrafa. O autoritarismo também evolui e nada é tão ruim que não possa piorar.
A guerra civil da Síria envolve interesses difusos, com um nível de violência e crueldade que a equipara aos piores conflitos da humanidade, como aqueles que atingiram os balcãs ou os da rivalidade entre hutus e tutsies na África.
Os que praticam genocídios merecem as consequências de seus atos. Não me preocupo tanto com qual facção merece viver ou morrer nas guerras. Afinal, morrer faz parte dos riscos do combate. O que realmente me incomoda é a imagem de crianças envenenadas, daqueles pequenos anjos que o homem mata com tanta facilidade.
Melhor que prever o futuro é impedir os massacres de inocentes que continuam acontecendo.
Ontem, Ban Ki Moon afirmou que o governo Sírio é o responsável pelo massacre do dia 21 de agosto. A crueldade só aumenta a pressão da garrafa síria. A rolha, do jeito que está, provocará a explosão da garrafa em mil estilhaços. Parece que é hora de destampá-la e enfrentar de vez o mal que ela contém.
sexta-feira, 6 de setembro de 2013
Dachau em Damasco
A atual aversão de boa parte dos americanos em se enroscar em mais um conflito me lembra que os EUA só ingressaram na Segunda Guerra Mundial depois de mais de dois anos do início das hostilidades. Foi preciso um acontecimento dramático, o ataque a Pearl Harbor, para mover e comover o Gigante do Norte.
Logo depois do final daquela guerra, soldados americanos esbarraram com o campo de concentração de Dachau, surpreendendo-se com o que encontraram. Impuseram à população alemã das redondezas o merecido castigo de enterrar os corpos acumulados naquele campo.
Foi uma lição memorável. Os alemães aprenderam que toda sua Nação, mesmo aqueles que não eram combatentes ou nazistas, era responsável pelo ocorria nos campos de extermínio. Muitos clamaram desconhecer as atrocidades, mas ainda que não tivessem sido informados, deveriam desconfiar e, de algum modo, agir.
A lição deveria ser aprendida por todos os homens e nações, mas não foi.
Hoje, sabemos que criancinhas morrem envenadas por bombas químicas na Síria, algo inaceitável. Contudo, muitos se escoram num pragmatismo perverso de não se envolver numa guerra que não lhes pertence. É justamente aí que mora o engano.
O massacre das crianças de Damasco é um crime contra a humanidadee não se pode tolerar sua repetição. Por isso, algo tem que ser feito, de preferência em conformidade com as regras do Direito Internacional. Caso contrário, no final dessa história teremos nossa própria pilha de pequenos cadáveres para enterrar.
quarta-feira, 4 de setembro de 2013
Pois é
Tem gente que acha que não vale à pena ir à guerra contra o regime sírio. É muito perigoso, dizem; a Síria não é a Líbia, observam; há muitos interesses em jogo, lembram; os inimigos de Assad são piores do que ele, avisam. Também tem gente que não se comove com criancinhas mortas. É tudo mentira, desafiam; é armação dos rebeldes, reclamam; nada ficou provado, argumentam; por tiro ou veneno, morto é morto, sacramentam. Eis que Obama rufa os tambores. Amarelão, xingam; anômalo, criticam; covardão, acusam; ardiloso, proclamam. Os EUA mandarão mísseis, mas não tropas. Pergunto: tirando o povo daquele canto do planeta, quem mais está disposto a morrer pleo carniceiro de Damasco?
domingo, 1 de setembro de 2013
Rua da Enganação
Nesta semana, O GLOBO publicou uma autocrítica, condenando um editorial escrito há quase meio século e que tecia elogios à deposição de João Goulart.
Muitos condenam os que conduziram o governo do país a partir de 31 de março de 1964. Condenam o que chamam de golpe militar, classificando-o como um atentado à democracia, mas propositadamente omitem que, apenas três décadas antes, a revolução de 1930 também havia deposto um governo legalmente eleito. Em 1964, vivia-se o ambiente da guerra fria e a democracia no Brasil estava longe de ser consolidada.
Dizer que nada de bom surgiu dos governos militares é pactuar com a mentira dos que forjam os fatos ao gosto de sua ideologia.
Atualmente, vivemos momentos perigosos. Esses perigos eram mais evidentes cinquenta anos atrás, mas hoje eles estão presentes, manifestando-se em atos e fatos que esgarçam o tecido social e fragilizam as instituições.
Tal qual uma prostituta, boa parte da mídia se vendeu às benesses do poder, deslumbrada com a fartura do dinheiro público e se enganando na utopia de um mundo mais igualitário, só que mais injusto e autoritário.
Os jornalistas de O GLOBO despiram mais uma camada de seus disfarces. Aquele jornal deu loas aos black blocs e não repudiou o ato das vadias que vandalizaram imagens religiosas. Agora, o GLOBO desmente sua própria história.
É triste ver as prostitutas se vendendo na rua da Enganação.
Síria e os ensinamentos da história
Toda crise oferece suas próprias lições e os três séculos e meio desde a paz de Vestfália encerram vários ensinamentos na longa história das relações entre os Estados Nacionais. Na história moderna, é recentíssima a formação dos países do Oriente Médio.
Cem anos atrás, Síria, Iraque, Arábia Saudita e outros eram províncias do Império Otomano e sua conformação como Estados foi decidida pelas potências vencedoras da primeira guerra mundial, mas levando-se em conta também os interesses da elite política regional. Daí, juntaram-se grupos étnicos distintos num mesmo país e nações foram segmentadas. Isso explica, pelo menos em parte, os ódios e disputas que instabilizam aquela parte do planeta.
Além disso, como ponto de encontro entre os continentes, o Oriente Médio é palco de disputas de espaço de poder e influência. As grandes jazidas de petróleo na região adicionam mais um ingrediente a esse caldo de conflitos.
Chegamos então à Síria, onde há mais de dois anos uma guerra civil vem produzindo milhares e milhares de mortos, destruindo as estruturas do país e deslocando expressiva parte de sua população na busca de refúgio, de algum local onde se possa viver sem a perspectiva sombria de repentinamente morrer de bomba, de tiro ou de veneno.
Nesta última semana, as imagens de crianças mortas por armas químicas, supostamente lançadas por tropas do governo sírio, chocou a opinião pública mundial e levou a um intenso debate sobre o que deve ser feito. Como costuma ocorrer, espera-se que a principal potência mundial encontre uma solução que impeça novas mortes de inocentes.
A crise Síria possui componentes dramáticos, cruéis e inusitados. Não é fácil resolvê-la. Para isso, será preciso levar em conta a história regional e os ensinamentos colhidos em outros conflitos.
Há quem recomende extrema cautela, pois é grande o perigo de se espalhar uma guerra que hoje está contida nas fronteiras sírias. Outros são mais pragmáticos; enxergam o ditador sírio como o menor dos males, a opção menos danosa para o equilíbrio político regional.
Remeto o leitor, então, a dois acontecimentos da história.
Lembro que, durante os anos trinta, foi infrutífera a tolerância de Chamberlain ao expansionismo de Hitler. Sem freios, o ditador alemão levou adiante seu apetite de poder, que acabou provocando a segunda guerra mundial.
Cinquenta anos depois, a tolerância do ocidente aos massacres da população curda iraquiana, também utilizando armas químicas, levou Sadam Hussein a confiar na impunidade por seus atos, motivando-o a invadir o Kuwait.
Hoje, há quem critique o presidente dos EUA por ele ainda não ter agido contra o governo sírio. Ao revés, outros o criticam por sua opção em tomar as medidas contra o ditador Assad. Eu discordo de ambas as críticas.
Obama deixou claro os limites de sua tolerância e, mesmo assim, o governo sírio os ultrapassou.
O uso de armas químicas poderia oferecer alguma vantagem no terreno tático, mas é moralmente inaceitável. Deixar o regime de Damasco sem punição será o mesmo que convidá-lo a continuar usando aquelas armas contra seus adversários e mesmo contra outros países da região.
A situação exige ação, mas também cautela. Obama tem dado repetidos avisos e oportunidades ao governo sírio, que ainda tem uma saída. Basta entregar os responsáveis pelo ataque do dia 21 de agosto para julgamento no Tribunal Penal Internacional.
Entregar um bode expiatório para os crimes do regime seria uma resposta aceitável e ofereceria maiores chances de sobrevida ao governo Sírio.
Isso deu certo com a Líbia, nos anos oitenta, quando um agente da inteligência daquele país foi entregue para julgamento pela Grã-Bretanha pela explosão do avião da PANAM sobre a cidade escocesa de Lockerbie, um atentado com fortes indícios de ter sido determinado pelo ditador Kadafi.
A história oferece lições e ensinamentos. Precisa ser lida e levada mais a sério, principalmente por quem tem as melhores condições de conduzir os acontecimentos.
Mais Síria
Evidentemente, a crise síria reúne componentes mais complexos que os da siituação iraquiana dos anos noventa. Os interesses geopolíticos dos EUA e da Rússia, sem esquecer os das potências regionais, enevoam a visão do quadro. Ali, a briga envolve mais do que a luta entre segmentos da sociedade síria, mas a disputa por espaço de poder e influência.
Daí, a dúvida: será que a mesma fórmula que impediu a matança de civis no Iraque daria certo na Síria?
Essa questão puxa outra: se aquela fórmula não resolver, o que deveria ser feito, então?
Em 2003, os EUA invadiram o Iraque escorados numa mentira: a da existência de armas de destruição em massa. Dez anos depois, colhem-se evidências atrás de evidências do uso de armas químicas pelo regime sírio, o que justifica e mesmo impele a ação militar punitiva.
O cerne da questão é impedir a repetição dos crimes de guerra. O mais certo seria levar os responsáveis pelo ataque químico a julgamento em Haia, mas é preciso convencer o governo sírio a cortar na própria carne.
Talvez alguns mísseis desobstruam a Estrada de Damasco. O perigo é que eles incendeiem outros barris de pólvora, mas é certo que alguma coisa tem que ser feita.