Não sou e nunca fui de beber muito. Fosse ruim de garfo como sou de copo, não seria tão gordo.
Sou ruim de copo, mas gosto de jantar num bom restaurante e saborer um vinho de qualidade. Esse é um prazer que me roubaram. Há uma lei que não permite beber e dirigir. Não há tolerância. Basta um traço pequeno que seja de álcool no sangue que o condutor está condenado ao pagamento de uma multa e outros castigos. Para os que fazem questão de agir corretamente, nada pior que o vexame de descumprir a lei.
Reclamo dessa situação, mas me submeto à proibição. Primeiro porque cumpro meus deveres; depois porque sei que a Lei busca reduzir as mortes no trânsito. É uma boa causa, ainda que me prejudique.A Lei foi injusta comigo, mas busca o bem de todos.
Vem daí o motivo deste texto. As manifestações e protestos das últimas semanas.
Muitos foram às ruas. Jornais e telejornais afirmam que os manifestantes somaram um ou dois milhões de pessoas, ou ainda mais gente.
Os que tomaram as ruas foram na grande, enorme, imensa maioria, pacíficos. Um pessoal que simplesmente cansou de reclamar em casa e não ver nada acontecer.
Quando começaram, os protestos visavam o preço das passagens de ônibus. Começaram pequenos e se avolumaram à medida que agregaram outros motivos de reclamação.
É curioso esse paradoxo. As passeatas reclamavam melhores condições de transporte, mas provocaram, invariavelmente, embaraços no trânsito. Diziam defender os direitos das populações mais carentes, daqueles que pagam muito pela passagem de ônibus. Contudo, toda vez que ocorreram, as manifestações causaram dificuldades para o direito de ir e vir justamente daqueles que, cansados depois de um dia de trabalho, queriam simplesmente chegar em casa.
Sei que esses prejuízos são próprios das manifestações, mas também sei que as pessoas poderiam protestar, reclamar, fazer barulho, mostrar cartazes, tudo isso sem prejudicar ainda mais o direito dos outros.
Faltou sensibilidade às lideranças dos movimentos. Elas ou se recusaram a negociar seus trajetos com a polícia, ou simplesmente não cumpriram o que foi combinado. Isso, por si só, diz muito do caráter desses supostos líderes. Mas esse cenário contém algo ainda pior, o vandalismo.
Embora devamos reconhecer o direito da manifestação pacífica, é óbvio que muitos marginais se aproveitam dos protestos para atacar a polícia, depredar o patrimônio público e praticar atos de puro vandalismo. Incendiaram ônibus, quebraram vidraças, picharam mutos, jogaram pedras na polícia, saquearam lojas, promoveram arrastões em ônibus, deixaram atrás de si um rastro de destruição. Tudo isso impunemente.
A polícia, detentora do direito legítimo do uso da força e da obrigação de manter a ordem pública, não teve liberdade de ação para impedir a violência porque poderia atingir inocentes misturados aos vândalos.
Há quem diga que não se pode impedir ou mesmo impor limites a uma manifestação pacífica, que representaria, ela mesma, o exercício da liberdade de expressão, um direito garantido pela Constituição.
Discordo dessa interpretação. Do mesmo modo que a Lei me cassou o direito de beber um gole de vinho e depois dirigir, o interesse de todos nós requer que essas manifestações ocorram sem violar o direito alheio, permitindo que as autoridades mantenham a ordem pública.
Meu pensamento está conforme à norma mais elementar da vida em sociedade, aquela que diz que o direito de um termina onde começa o direito do outro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário