Ufa, depois de três meses desde que cheguei do Chile, minha mudança finalmente tem dia e hora para chegar. Logo deverei receber minhas roupas, sapatos e TV. Deixarei de depender de um único par de sapatos para eventos sociais e cotidianos e poderei assistir meus programas em dezenas de polegadas de uma tela plana. Por falar na danada da televisão, ela me
causou um baita prejuízo pelo pagamento do imposto de importação, mas, tudo bem; valerá à pena.
Ontem, estávamos assistindo ao Arquivo N (da Globonews), que era sobre a
Rita Lee e quase todo o programa tratava de cenas e entrevistas do
início da década de 80. Comentei com minha esposa que a vida de 30 anos
atrás não era assim tão diferente da nossa de hoje em dia. Ela
discordou; disse que os computadores provocaram uma revolução na vida
das pessoas.
Realmente, as tecnologias da informação revolucionaram nosso jeito de
trabalhar e se divertir. Eu, que tanto aguardo a chegada da minha TV,
quase não fico mais à frente do aparelho. Tenho visto mais filmes no meu
computador e no iPhone do que na televisão. No trabalho, passo o meu
dia basicamente digitando arquivos e preenchendo banco de dados. Ali, também vivo colado numa tela plana.
Mas se é verdade que o computador modificou o trabalho e o lazer, ele
não alterou a ordem das nossas preocupações mais importantes. Assim como
meu pai no início dos anos 80, eu também focalizo minha vida na
educação dos meus filhos, no bem estar da família e no meu crescimento
profissional. Uso meu carro em praticamente todos meus deslocamentos e reclamo dos congestionamentos; vivo em apuros com as contas para pagar e tenho vontade de chorar quando
recebo o contracheque; e, mais notável ainda, me revolto com a vagabundagem que impera no nosso País.
Vamos convir que o mundo não mudou quase nada em trinta anos, não é mesmo?
quinta-feira, 26 de abril de 2012
sexta-feira, 6 de abril de 2012
Comentários das principais notícias de hoje
Publicado
pelo Correio Brasiliense e transcrito na Resenha do Exército
ANGOLA
Muito além da paz
Fim da
sangrenta guerra civil aqueceu a economia, mas a nação africana sofre com o mau
gerenciamento dos recursos financeiros. Acusado de perpetuar-se no poder, o
presidente José Eduardo dos Santos divide paixões
Poucos
países experimentaram o alívio do fim de uma guerra como Angola. Há 10 anos, as
duas principais forças políticas locais assinaram um acordo de paz que terminou
com mais de duas décadas de luta armada, fora o período de conflito pela
independência de Portugal. O resultado é que Angola viveu um boom econômico, com o Produto Interno
Bruto (PIB) crescendo mais de 800% em nove anos. Estradas foram
construídas, a população rural voltou a plantar suas lavouras e nações como o
Brasil passaram a investir no recém-nascido mercado consumidor. Mas o país
ainda patina quando o assunto é desenvolvimento. Angola ocupa a 146ª posição no ranking da ONU e, segundo
o próprio governo, 36,6% da população vivem abaixo da linha de pobreza.
Ao
contrário do que pode parecer, o problema não é falta de dinheiro. Com grandes
reservas de petróleo, a principal fonte de renda é a exportação do recurso para
a China e para os Estados Unidos. Os ganhos, porém, acabam voltando para a indústria petroleira,
e há pouco investimento em outros setores da economia, uma prática suicida a
longo prazo. “Angola não recebe ajuda financeira de outros países por causa
disso. O mundo percebeu que não há carência de dinheiro, mas sim de
gerenciamento”, afirma Assis Malaquias, analista angolano do Africa Center for
Strategic Studies.
Esse modelo
de negócios deu origem a uma
gigantesca desigualdade social, fortalecida pela corrupção do governo. “O principal problema é o uso da
infraestrutura para fins comerciais e políticos. Muitos membros do poder
são sócios das empresas contratadas”, aponta Justin Pearce, um especialista em
política angolana na Faculdade de Estudos Orientais e Africanos, em Londres.
Para se ter uma ideia, antes das eleições legislativas de 2008, houve um
impulso para a finalização de obras públicas, que hoje se encontram aos
pedaços. “Estradas construídas há apenas quatro anos já estão ruins e, na
capital Luanda, um hospital que não havia recebido um doente sequer teve que
ser desativado, por conta da qualidade das obras”, conta Pearce, autor do livro
An outbreak of peace: Angola's situation of 'confusion (sem tradução para o
português).
Em meio a
esse cenário, está o presidente José Eduardo dos Santos, líder do Movimento
Popular de Libertação da Angola (MPLA), no poder desde 1979.
Foram as
forças coordenadas por ele que mataram Jonas Savimbi, líder rebelde da União
Nacional para Total Independência de Angola (Unita), e, com isso, puseram fim à
guerra, em 2002. O empenho de Santos para a assinatura do acordo de paz faz com
que ele seja visto por muitos angolanos como a figura da pacificação. Isso não
significa que ele seja uma unanimidade. “Muitos jovens não gostam da ideia de
ele estar no poder nas últimas três décadas, sem que tenha sido eleito pelo
voto popular. Mas muitas pessoas o amam; a maioria porque recebe benefícios do
regime”, diz Assis Malaquias.
Repressão
José
Eduardo dos Santos prometeu eleições legislativas para setembro, mas continua
sufocando a oposição. Segundo especialistas, o MPLA deve ganhar a maioria outra
vez, por conta do controle que o partido exerce sobre os meios de comunicação e
sobre a comissão eleitoral.
“Nos
últimos meses, têm ocorrido mais episódios de violência da polícia e de
capangas do governo contra ativistas de oposição de aldeias e províncias”,
denuncia o professor Justin Pearce. “Não se trata de instabilidade, mas de
repressão.” A expectativa é que Santos permaneça no poder até, pelo menos,
2017.
Comentário
do Ilha: Os ganhos com o petróleo deveriam ser investidos em outros setores da
economia e também para fins sociais. Essa questão guarda relação com o Brasil
na discussão da repartição dos Royalties do Pré-sal. O petróleo é um recurso do
país, não da indústria petrolífera.
Publicado
pela Folha de São Paulo e transcrito na Resenha do Exército
Troca de
emprego se acentua no Brasil
Soma de
contratações e demissões atinge pico de 116 para cada 100 trabalhadores
ocupados em 2010, diz IPEA
Estudo
indica que avanço da renda e expansão do setor de serviços contribuíram para
maior rotatividade
PEDRO
SOARES
EM SÃO
PAULO
Com o
avanço da renda do brasileiro nos últimos anos, o consumo sofisticou-se e o
setor de serviços ganhou peso na economia. Um reflexo desse movimento foi o
crescimento da rotatividade do mercado de trabalho, já que empregados de
restaurantes, hotéis, empresas de telemarketing, informática, telefonia e
outras têm trocado de trabalho mais rapidamente.
Segundo
estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), contribui para isso
uma mudança de "cara" dos empregadores com a expansão dos serviços,
concentrados mais em empresas menores. Essas firmas demitem e contratam com
mais velocidade -às vezes, como forma de reduzir custos.
Carlos
Henrique Corseuil, do Ipea, ressalta que a causa da rotatividade poderia, em
tese, ser a alteração do perfil dos empregados, mas jovens e pessoas com baixa
escolaridade -que tendem a trocar mais de emprego- perdem espaço na força de
trabalho.
Segundo o
estudo, a soma de todas as
contratações e demissões representava 89,2% da força de trabalho formal do país
(dados do Ministério do Trabalho) na média de 1996 a 2000. Passou para
106,2% na de 2006 e 2010.
Ou seja, a
cada 100 trabalhadores que estavam empregados, ocorreram 106 admissões e
desligamentos no intervalo de um ano. Em 2010, esse giro no mercado de trabalho
chegou ao pico de 116 para grupo de 100 ocupados.
A maior
rotatividade acompanha quase que de modo constante o aumento do rendimento -que
proporciona o maior consumo de serviços.
Para
Altamiro Carvalho, economista da Fecomercio-SP, "a migração de uma grande camada da população para
"nova" classe média permitiu o acesso e diversificou o consumo".
Entraram na "cesta de compras" de muitas famílias serviços de
comunicação, turismo, alimentação fora de casa e outros.
"Há
uma procura por profissionais mais qualificados muito acirrada entre as
empresas do setor de serviços para atender melhor, o que impulsiona a
rotatividade e aumenta os salários."
Tal
tendência, afirma Carvalho, persistiu em 2011 e deve se repetir neste ano, a
menos que a crise europeia se agrave muito, aumente o desemprego, contraia a
renda e reprima o consumo.
RENDA
Segundo
levantamento da Folha com base em dados do IBGE, a renda no setor de serviços cresceu 3,4% na média de
2010 e 2011, nas principais metrópoles, enquanto na indústria avançou só 0,4%.
"Há
uma superdemanda e as pessoas recebem propostas para ganhar mais. Empresas de
alguns segmentos tiveram de dar reajustes de até 15% para reter
profissionais", diz Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de
Bares e Restaurantes.
Quando uma economia fica mais madura e supera a
renda per capita de US$ 10 mil, diz, há um aumento gradual do consumo de
serviços.
Comentário
do Ilha: Os dados indicam que o setor de serviços tem se expandido com mais
vigor que a indústria, o que caracteriza uma economia pós industrial. A
rotatividade nos empregos tem favorecido os trabalhadores mais qualificados.
Seus ganhos são mais expressivos que os alcançados pelas pressões dos
sindicatos, que são estruturas da época do Estado Novo e que precisam ser
revistas.
Publicado
pelo Estado de São Paulo e transcrito na Resenha do Exército
O etanol
em crise
Há quatro
anos, a produção nacional de etanol de cana-de-açúcar era considerada um
sucesso - que não saiu de graça, considerados os custos dos subsídios ao
Proálcool, lançado na década de 1970. Contudo, os investimentos feitos pelo
setor sucroalcooleiro e a introdução
de melhorias genéticas nas plantações permitiram a dispensa de subsídios
e a preservação da paridade com o preço da gasolina. Com a introdução dos veículos flex ou
bicombustíveis a partir de 2003,
a produção de álcool avançou rapidamente, tendo
alcançado 648,85 milhões de toneladas em 2008. Projeção feita na época
pela Petrobrás era de que esse volume triplicaria até 2020, atendendo
plenamente à demanda interna e transformando o Brasil em grande exportador
mundial do produto.
Em vez
desse quadro, temos hoje a
virtual estagnação da produção de álcool no País, refletindo a crise que
se abateu sobre o setor, com o elevado endividamento de muitas usinas, várias
delas colocadas à venda. Somente em São Paulo, que é o maior produtor nacional
de etanol, entre 30 e 40 usinas (20% do total instalado no Estado) encontram-se
nas carteiras de venda de corretores ou negociam acordos para fusões, parcerias
ou incorporações. No Paraná, as coisas não são melhores: das 30 usinas do
Estado, 3 unidades deixarão de moer cana na safra 2012/2013.
Esse novo quadro surge justamente em uma fase
em que o petróleo alcança elevadas cotações - o que deveria tornar os
biocombustíveis mais atraentes. A crise do etanol no Brasil também coincide com a decisão do governo
dos EUA, por motivos fiscais, de eliminar o subsídio ao etanol de milho e
acabar com a sobretaxa sobre o etanol importado, uma abertura que os produtores
nacionais há anos reivindicavam.
Na
realidade, o País hoje não
tem etanol nem mesmo para atender à demanda interna. Há muitas usinas
que, além de quebra de safras, não podem contratar novos financiamentos na rede
bancária e não têm recursos para renovação da lavoura ou aquisição de
equipamentos. Estão em melhor situação as usinas que tiveram meios para optar
pelo aumento da produção de açúcar, aproveitando as altas cotações
internacionais, reduzindo a produção de álcool combustível. Outras, as chamadas
refinarias, não tiveram essa alternativa, e não puderam reajustar os seus
preços para absorver o aumento de custos, em vista do virtual congelamento do
preço da gasolina, que já dura seis anos. Como resultado, o álcool hidratado,
cujo preço, para atrair consumidores, deve corresponder a 70% do da gasolina,
perdeu mercado.
Tem havido um volume significativo de
investimentos externos em refinarias de etanol, mas a aquisição de novos
equipamentos está em queda. Os quatro projetos que entraram em operação em 2011 resultaram de
decisões tomadas antes de 2008, como informa José Luiz Oliveira,
vice-presidente da Dedini, indústria de equipamentos para a produção de etanol.
"O que houve de lá para cá, foram apenas projetos de diversificação de
empresas, nenhum de ampliação da capacidade", diz Oliveira. Com a queda de
73% de seu faturamento em relação a 2008, a empresa reduziu seu quadro de pessoal
de 6.500 funcionários para 3.500.
Seria
simplista dizer que, se o preço da gasolina for reajustado pelo governo, os
problemas dos produtores de etanol desapareceriam. Por um certo prazo, pode ser
que sim. Mas o que
claramente está faltando é definir o papel do etanol na matriz energética
brasileira. Uma coisa é produzir o volume de álcool anidro necessário à
adição à gasolina, hoje na proporção de 20%. Outra, bem mais complexa, é tornar
o álcool hidratado competitivo no mercado, o que exige garantia de
abastecimento, com crescimento da produção e formação de bons estoques
reguladores. Sem isso, a participação no mercado interno continuará muito
instável, e será virtualmente impossível a conquista de mercados externos.
Infelizmente,
a solução do problema do
álcool não depende do livre jogo das forças de mercado e, sim, de uma decisão
da cúpula do governo.
Comentário
do Ilha: O artigo não revela os motivos da crise de abastecimento de etanol.
Uma explicação recorrente é que os usineiros preferem produzir açúcar, que
apresenta melhor retorno financeiro. Nesse aspecto, o articulista tem razão ao colocar
no governo, e não no mercado, a tarefa de solucionar essa crise.
Publicado
pelo Globo e transcrito na Resenha do Exército
Armas
não letais?
RICARDO
BALESTRERI
Tenho
acompanhado com atenção a discussão sobre a utilização de armas não letais, em particular
das pistolas elétricas incapacitantes. Cada vez mais esses dispositivos têm
sido usados pelas polícias de todo o planeta - o que é, ao mesmo tempo, bom e
ruim.
Bom porque, se não existisse opção à arma de
fogo, haveria um incalculável número de mortes desnecessárias. Ruim porque,
quanto mais essa tecnologia é usada, maior a possibilidade de o ser de forma
equivocada. E o fato é
que, mal utilizadas, as armas não letais podem, sim, apesar do nome, matar.
Isso é grave.
Há fortes
indicativos de que esse teria sido o caso das duas mortes ocorridas na
Austrália e em Santa Catarina, que têm em comum o uso de pistolas de
imobilização. Múltiplos disparos, uso cumulativo de outro dispositivo não
letal, disparos de longa duração, indivíduos atingidos sob forte influência de
drogas e/ou bebida alcoólica, podem explicar em parte tais casos,
proporcionalmente raros se tomarmos em conta o número anual de disparos em todo
o mundo.
É preciso
compreender, entretanto, que entre o cassetete e a arma de fogo há todo um
leque de possibilidades. E que as tecnologias não letais existem para ocupar
esse espaço. Elas são fundamentais, por exemplo, no controle de distúrbios,
como brigas de torcidas, rebeliões e arrastões. Imprescindíveis na segurança de
agências bancárias, shoppings e eventos fechados. A pistola elétrica, cada vez
mais disseminada nas polícias de todo o mundo, no Brasil inclusive, é só uma
delas.
Mas não
servem para todas as situações. O que não significa que devam ser banidas.
Seria um retrocesso e aumentaria em muito os índices de letalidade em
confrontos envolvendo forças de segurança. Melhor discutir o uso das
tecnologias não letais. Debater a regulamentação do uso desses dispositivos
pelas forças de segurança; criar normas para garantir a qualidade dos produtos
que entram no mercado; estabelecer doutrinas para a aplicação daquilo que a ONU
convencionou chamar de "uso proporcional da força".
Quando
secretário nacional de Segurança Pública, incentivei fortemente a aquisição,
pela União, estados e municípios, de dispositivos não letais. Isso não ocorreu,
entretanto, sem a condicionante do treinamento, conforme estabelecido em 2007
pelo Pronasci, que foi um divisor de águas em propostas nacionais de redução de
letalidade pelas forças de segurança.
Até então,
a lógica era bem distinta. As polícias só dispunham, às vezes para uso
banalizado - com raras exceções -, de pistolas, de revólveres, de
submetralhadoras e, em casos como o do Rio, até de fuzis, cujos projéteis podem
atingir alvos a mais de dois quilômetros de distância. Não era de se admirar as
estatísticas de mortes por balas perdidas e que tenhamos vivido episódios
lamentáveis como os massacres do Carandiru e de Eldorado dos Carajás - que
poderiam ter tido outro desfecho caso as forças de segurança de então
dispusessem de equipamentos não letais adequados.
Tudo isso,
portanto, é muito recente. O
próprio termo "não letal" tem pouco mais de 20 anos: foi cunhado pela
Organização das Nações Unidas em seu VIII Congresso, realizado em 1990, em
Havana, quando tratou de como disciplinar o uso da força pelos agentes da lei.
Considero o
termo "não letal" mais apropriado que "menos letal" ou
"menos que letal" (do inglês "less than lethal"), pois ao
chamar esses equipamentos de não letais embutimos o comprometimento com seu
objetivo. Não se trata de simples palavreado.
As armas não letais não são feitas para matar,
mas para imobilizar temporariamente sem causar danos irreversíveis. Se usadas conforme seus manuais,
não matam. O Brasil levou quase duas décadas para compreender esse conceito, do
uso proporcional da força, preconizado pela ONU, e adotar os equipamentos que
permitem a sua execução.
O mundo,
infelizmente, não é cor de rosa. O esforço deve ser no sentido de que essas
tecnologias sejam usadas corretamente. Sim, elas causam dor, ardência, choque,
lágrimas. Mas, ruim com
elas, pior sem elas.
Comentário
do Ilha: Na semana passada, alguns setores da sociedade criticaram o uso de
armas não letais, vistas como um mal por si mesmo. Essa crítica é infundada.
Armas não letais são mais apropriadas para forças de segurança pública e,
quando utilizadas devidamente, são muito mais seguras que as demais.
Publicado
pelo Globo e transcrito na Resenha do Exército
O
crescente isolamento da Argentina
Governos de corte populista frequentemente
recorrem a "inimigos externos" para desviar a atenção de dificuldades
internas. A presidente
da Argentina, Cristina Kirchner, embarcou neste expediente ao recolocar na
ordem do dia a disputa com a Grã-Bretanha pelas Ilhas Malvinas - e os 30 anos
da invasão argentina este mês, que deveriam ser lembrados discretamente,
ganharam uma dimensão que, se não chega a ser perigosa, é bastante fútil.
O que interessa à Casa Rosada é
disfarçar as dificuldades econômicas e políticas sob a retórica do complô dos
"inimigos externos", ao denunciar a suposta ameaça de
"militarização do Atlântico Sul" - porque a Grã-Bretanha
decidiu enviar um moderno destróier às águas adjacentes às Malvinas - e ao
esbravejar sobre a necessidade de "recuperar a soberania energética
nacional". São discursos que encontram eco nos sentimentos nacionalistas
dos argentinos, desde os tempos de Perón, mas carecem de sustentação real.
A YPF é um desses entes que datam dos tempos de
Perón e já respondeu por quase a totalidade do petróleo consumido no país. Nos anos 90, contudo, conseguiu a
proeza de ser uma petrolífera que dava prejuízo. Foi então privatizada em 1998,
com o apoio de Néstor e Cristina Kirchner, tendo 48% de seu capital comprados
pela espanhola Repsol. Hoje, com o país obrigado a importar energia, a
Repsol-YPF ganhou fama de vilã e o governo manobra para reestatizar a empresa.
Famílias poderosas com ligações com os Kirchner agradecem. Enquanto o governo
federal não se decide, instrui províncias (estados) aliadas a cassar as
concessões da petroleira. Já o fizeram Chubut, Rio Negro, Salta , Mendoza,
Santa Cruz e Neuquén.
Nem por ser
o principal parceiro da Argentina no Mercosul o Brasil escapa de medidas
protecionistas ou "nacionalistas" adotadas para "proteger"
o país de vilões externos que, segundo o discurso oficial, se comprazem em
prejudicá-lo. Esta semana, a província de Neuquén cancelou uma área concedida à
Petrobras, alegando que ela "permanece sem produção, sem comprovação de
reservas e sem investimentos suficientes". A Petrobras diz ter sido
apanhada de surpresa.
O jornal
espanhol "El Pais" destacou que "o discurso populista, as
ameaças de nacionalização e a pressão sobre os capitais estrangeiros são razões
suficientes para que a comunidade internacional retire sua confiança na
estabilidade regulatória argentina." Reflexos disso são o anúncio do
presidente Barack Obama que suspenderá as preferências comerciais de que gozava
a Argentina e a decisão de EUA, UE, Japão, México e outros dez países de denunciar
à OMC as políticas protecionistas argentinas.
Embora a
economia cresça, o país sofre com déficit energético crônico, com as distorções
provocadas pela maquiagem de índices como o de inflação e começa a ter
problemas de desabastecimento. A Casa Rosada prefere mascarar os problemas
atrás do discurso nacionalista e ameaça levar a Argentina a um lamentável
isolamento, cujo maior risco é transformar a nação em pária internacional.
Comentário
do Ilha: A economia do país vizinho não está bem. Ali, não funcionou o paradigma
da privatização como solução para todos os males.
Publicado
pelo Globo e transcrito na Resenha do Exército
Malária
resistente se espalha
Mutação
genética faz parasita altamente letal ficar imune a coquetel de remédios
Cláudio
Motta
claudio.motta@oglobo.com.br
UM
MOSQUITO Anopheles gambia
Uma mutação genética fez a malária - uma das
doenças infecciosas que mais mata no mundo - ficar resistente aos remédios
usados em seu tratamento.
Pesquisas recém-publicadas identificaram na fronteira entre Camboja e Mianmar
cepas contra as quais a artemisinina
já não faz o efeito esperado. O medicamento contribuiu para que a letalidade caísse 30% na última
década. Mesmo com esta queda, houve 665 mil vítimas da doença em 2010:
mais de uma morte por minuto. No mesmo ano, 1,8 milhão de óbitos foram causados
pela Aids.
Se o
tratamento com artemisinina falhar, faltam alternativas. Os esforços para desenvolvimento
de novas drogas não deverão gerar antimaláricos até o final da década.
Um dos coordenadores da pesquisa publicada na revista "Lancet",
resultado da cooperação internacional liderada pelo Instituto de Pesquisa Texas
Biomed, Tim Anderson, informa que as razões pelas quais houve a mutação
genética ainda são desconhecidas.
- Tentamos
identificar as mudanças genéticas envolvidas na resistência. Se conseguirmos,
teremos pistas de como este parasita se tornou resistente - disse Anderson ao
GLOBO. - Esta informação poderá permitir que façamos mudanças nos medicamentos
para prevenir a resistência. Já identificamos a região do genoma do parasita
envolvida (na mutação), mas não determinamos quais foram as mutações.
Remédio
passa a agir lentamente
O pesquisador
faz referência a outro estudo, publicado simultaneamente na revista
"Science" pelo mesmo grupo de cientistas. A esperança é que, com a
identificação da região genética das mutações, seja possível gerar marcadores
moleculares que permitam monitorar a propagação das cepas resistentes aos
medicamentos.
A disseminação da cepa de malária resistente
preocupa. Ela
atravessou cerca 800 quilômetros do Camboja, tendo sido previamente relatada na
fronteira deste país com a Tailândia. Os primeiros casos apareceram em 2006,
motivando um esforço internacional para controlar o Plasmodium falciparum.
Entre 2001
e 2010, os cientistas analisaram 3.202 pessoas com a doença e constataram que o
remédio agia mais lentamente em 0,6% dos casos em 2001, percentual que pulou
para 20% em 2010. De
acordo com Anderson, o aumento do tratamento com artemisinina contribuiu para a
disseminação de sua resistência.
- Os
parasitas resistentes sobrevivem e tende a ocorrer um aumento de sua frequência
- explicou Anderson. - Esta malária resistente também pode chegar ao Brasil.
Basta que uma pessoa infectada voe do Sudeste da Ásia para o país.
Além da
importação do parasita resistente, é possível que ele se desenvolva
independentemente na América do Sul, explica o especialista. Este fenômeno já aconteceu
praticamente ao mesmo tempo tanto na Ásia como na América do Sul com outras
drogas.
- Nossa
preocupação é que a artemisinina siga o mesmo padrão - comentou Anderson. -
Acho que a coisa mais importante é aumentar a vigilância da eficácia do tratamento
da terapia com a combinação de artemisinina. Dessa forma, será possível
detectar precocemente qualquer alteração na eficácia da droga. É fundamental que a artemisinina
seja administrada em combinação com outras drogas para atrasar a origem da
resistência. No Camboja, terapia apenas com artemisinina é amplamente
utilizada, mesmo que esta não seja a política oficial. Esta pode ser uma razão
para que a resistência tenha surgido no Camboja.
O Brasil
também usa artemisinina em seu coquetel antimalárico. Secretário de Vigilância
em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa informa que o combate à doença,
concentrada na Amazônia, inclui o fornecimento gratuito de remédios, além da
análise das cepas. A Rede Amazônica para a Vigilância da Resistência de Drogas
Antimaláricas colhe amostras do parasita.
- A
resistência a antibióticos, antivirais, antiparasitas é uma tendência natural.
Este é um problema global - afirmou Barbosa. - O aumento progressivo da
resistência é facilitado por alguns fatores. Onde é necessário pagar, as
pessoas muitas vezes não têm dinheiro para realizar o tratamento completo.
Fonte: O
Globo
Comentário
do Ilha: Esse artigo é importante por suas implicações com a biossegurança.
Publicado
pelo Globo e transcrito na Resenha do Exército
A praga
da corrupção
Merval
Pereira
Enquanto no
país prevalecer a postura de tratar a corrupção dos aliados e correligionários
como uma questão política, e demonizar a corrupção dos adversários, não teremos
condições de controlar essa verdadeira praga, que não é "coisa
nossa", pois está espalhada pelo mundo globalizado, mas que tem encontrado
entre nós um acolhimento incomum devido à legislação frouxa e à cultura da
impunidade que por aqui impera.
Por isso,
quando volta e meia relatórios do Departamento de Estado dos Estados Unidos ou
de outro governo qualquer classificam nossa corrupção de endêmica, é preciso
entender a palavra como uma metáfora, e não ficar com o nacionalismo à flor da
pele.
Não se diz
que a corrupção no Brasil é endêmica por se tratar de uma doença típica dos
trópicos, por exemplo, mas para explicar que ela se espalhou pelo organismo
social do país, e essa parece ser uma verdade irrefutável.
No índice da Transparência Internacional, o
Brasil caiu da 45 para 73 posição entre 2002 e 2011, uma piora considerável
durante os governos petistas.
Mas o
partido que está no poder usava o combate à corrupção como sua marca antes de
chegar à Presidência, e tentou manter as aparências nos primeiros tempos de
poder central.
O
ex-ministro José Dirceu cunhou o slogan, que repetia seguidamente, "este é
um governo que não rouba nem deixa roubar", até que seu assessor político
Waldomiro Diniz foi denunciado por um vídeo, que o mostrava recebendo propina
do bicheiro Carlinhos Cachoeira quando trabalhava nas Loterias do Rio de
Janeiro no governo Garotinho.
O vídeo era
antigo, mas revelava uma aptidão de seu principal assessor no Congresso nada
adequada aos cargos que ocupava.
Com a
revelação do mensalão, e de métodos nada ortodoxos de atuação política de
petistas à frente de prefeituras pelo país, especialmente paulistas, ficou
claro que a diferenciação do PT dos outros partidos que acusava existia apenas
no marketing político.
Diferentemente
dos outros partidos, no entanto, no PT ser corrupto não invalida a atuação
política de um líder importante.
A
contrário, o partido, mesmo que tenha no primeiro momento que fingir estar se
livrando do filiado apanhado em flagrante, assume a proteção de seus políticos
acusados até que o tempo ajude a nublar a memória do cidadão mediano.
E todos vão
sendo acomodados novamente na burocracia partidária ou mesmo nos diversos
escalões dos governos que o PT assume, como se não devessem nada.
O caso do
senador Demóstenes Torres é emblemático. Seu ex-partido, o DEM, abriu um
processo de expulsão que o obrigou a se desfiliar, o mesmo tratamento dado
anteriormente ao ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.
Quem o PT expulsou de suas fileiras nos últimos
anos, quando escândalos de diversos quilates estouraram no seu colo?
Apenas seu
tesoureiro à época do mensalão, Delubio Soares, que nunca perdeu sua situação
de prestígio dentro do partido e foi finalmente reconduzido oficialmente de
volta no ano passado, antes mesmo do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal,
numa tentativa de inocentá-lo publicamente antes do veredito oficial.
José Dirceu
continuou com tanta importância dentro do PT que se tornou um consultor de
empresas altamente requisitado justamente por seu prestígio pessoal junto aos
presidentes petistas e demais autoridades governamentais.
Ele mesmo
admitiu em entrevista que um telefonema seu tinha um peso diferenciado.
O PSDB teve o mesmo comportamento do PT em
relação ao hoje deputado federal Eduardo Azeredo, acusado de ter dado origem ao esquema do
mensalão na campanha em que se candidatou a governador de Minas com o mesmo
Marcos Valério que mais tarde surgiria organizando o mensalão petista.
É verdade
que Azeredo perdeu a presidência do partido e o prestígio interno quando o
escândalo estourou, e não conseguiu legenda para tentar se candidatar a
senador, tendo se contentado a disputar uma vaga de deputado federal.
Em sua
defesa, ele alega que sua situação nesse esquema é idêntica à do ex-presidente
Lula, que não foi envolvido em nenhuma investigação do mensalão do PT.
Essas
situações evidenciam que a questão da corrupção continua sendo um tabu entre
nossos políticos, e a tendência de absolver seus pares é quase uma questão de
autopreservação.
Agora mesmo
não se consegue quem queira presidir a Comissão de Ética do Senado para iniciar
um processo contra o senador Demóstenes Torres.
É
impensável que o Senado não encare esse problema, e o mais provável é que ele
seja julgado e condenado por quebra do decoro, mas todos os constrangimentos da
corporação estão expostos aos olhos da opinião pública.
Uma outra
característica de casos como os do bicheiro Carlinhos Cachoeira é que eles são
multipartidários, isto é, acabam envolvidos parlamentares de vários partidos,
independente de ideologia ou tendência política.
Por isso, a
CPI do Cachoeira dificilmente será aprovada, pois não interessa a nenhum dos
principais partidos: o PT, além de ter alguns deputados envolvidos nas escutas,
não quer remexer no caso Waldomiro Diniz às vésperas do julgamento do mensalão.
O PSDB tem
o governador Marconi Perillo perigosamente colocado em zonas de suspeição, já
tendo uma assessora pedido demissão depois de flagrada em conversas telefônicas
com Cachoeira em um Nextel.
Os dois,
aliás, deram desculpas esfarrapadas sobre seus casos. A assessora disse que foi
confundida com outra pessoa, e o governador que recebera o bicheiro a pedido do
senador Demóstenes, e que Cachoeira jurara que já abandonara a contravenção.
Os petistas
que acusam a mídia de ter "inventado" Demóstenes, transformando-o em
um ícone da oposição mesmo sendo ele quem era, esquecem-se do caso do
ex-ministro duas vezes Antonio Palocci, que nos governos Lula e Dilma foi
tratado pela mesma mídia como o grande garantidor do equilíbrio político e
econômico das gestões petistas.
Os dois, o
ex-ministro e o senador, realmente exerceram os papéis que a mídia lhes
atribuía. Só que, por baixo dos panos, tinham outras atividades desconhecidas
até serem denunciadas.
Comentário
do Ilha: Merval Pereira é um articulista sério e competente. Há muito poucos outros
como ele.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Notícias da imprensa
A partir de hoje, pretendo publicar meus comentários a respeito das principais notícias na Imprensa. Eu lhes desejo uma boa leitura.
Publicado pelo Valor Econômico e transcrito na Resenha do Exército
Falta de profissionais ameaça o Programa Espacial Brasileiro
Por Virgínia Silveira | Para o Valor, de São José dos CamposA recomposição do quadro de profissionais para o programa espacial brasileiro é uma promessa antiga do governo, mas a falta de uma ação mais efetiva tem provocado uma perda sistemática de recursos humanos no setor, situação que vem piorando com a elevação da faixa etária dos pesquisadores.
"Se não houver uma decisão neste ano, as nossas projeções indicam que em 2020 o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) estará próximo de uma situação de colapso, reduzido a 26% do efetivo que possuía em 1994", diz o diretor do órgão, brigadeiro Ailton dos Santos Pohlmann. Segundo ele, a média de idade dos pesquisadores do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), responsável pelos principais projetos espaciais do país na área de foguetes, é superior a 50 anos.
A perda de cérebros no programa espacial é crescente e com a demora em abrir um novo concurso a situação só tende a piorar. "A grande dificuldade daqui para a frente será treinar o pessoal novo, pois os que detêm o conhecimento, adquirido em mais de 20 anos de trabalho e estudos, já terão saído", alerta o presidente da Associação Aeroespacial Brasileira (AAB), Paulo Moraes Jr.
O último concurso público autorizado pelo governo para o DCTA foi feito em 2010, mas apenas 93 funcionários foram contratados para atender a todo o órgão, que inclui 11 institutos de ensino e pesquisa e dois centros de lançamento de foguetes. O déficit de pessoal hoje, de acordo com o brigadeiro Pohlmann, é de mais de mil funcionários. Em 2011, mais de 70 servidores deixaram o DCTA.
O lançamento do Veículo Lançador de Satélite (VLS) mais uma vez será afetado pela falta de recursos humanos especializados. "Desde 2003, quando aconteceu o acidente com o foguete na base espacial de Alcântara e se perderam 21 especialistas, não houve reposição desse pessoal", ressalta o brigadeiro.
O problema já foi relatado por diversas vezes ao governo e mais recentemente, em fevereiro, a direção do DCTA enviou um relatório ao Ministério da Defesa sinalizando que a situação ficará ainda mais crítica com o projeto de duplicação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), projeto que conta com o apoio pessoal da presidente Dilma Rousseff.
A ampliação do ITA deverá ocorre ao longo dos próximos cinco anos, mas já em 2013 a escola vai oferecer o dobro das vagas atuais, ou seja, 240. Atualmente, o ITA recebe 120 alunos por ano, mas de acordo com o reitor, Carlos Américo Pacheco, cerca de 500 estudantes que prestam o vestibular para o instituto, têm nota mínima para entrar. Este ano o ITA recebeu um total de 9.400 inscrições, o que representou um aumento de 20% em relação a 2011.
Para ampliar o número de vagas, o ITA também precisará contratar 150 professores no período de cinco a seis anos e cobrir cerca de 50 aposentadorias que deverão acontecer nesse período. A expansão do instituto terá um custo de R$ 300 milhões e as obras estão previstas para começar este ano.
"Não é possível duplicar o ITA se não houver a reposição dos quadros. A ampliação da escola exigirá também um aumento significativo na capacidade do DCTA de apoiar essa expansão, na parte de pessoal (contratação de mais professores), infraestrutura de alojamento, alimentação, laboratórios de pesquisa e segurança, entre outros", diz o brigadeiro Pohlmann.
No Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) a situação é mais grave na área de gestão, que em dez anos deve perder 70% do pessoal que trabalha no apoio às atividades finais do instituto, devido às aposentadorias.
O plano diretor do Inpe para os anos de 2011 a 2015 mostra que em 1989 a instituição tinha 1,6 mil servidores, sendo apenas 50 com mais de 20 anos de serviço. Passados 20 anos, o número de funcionários é de 1.131, dos quais só 300 têm menos de 20 anos de casa. Atualmente, 72% dos engenheiros e tecnologistas do Inpe trabalham há mais de 20 anos na instituição.
A área de engenharia de satélites, que recebe os principais recursos do orçamento do instituto também preocupa bastante a direção do Inpe. Segundo o coordenador de Gestão Tecnológica do instituto, Marco Antônio Chamon, em cinco anos o número de funcionários desse setor deverá cair de 132 para 89. "Em dez anos estimamos que esse número esteja reduzido a 33 pessoas", afirma.
São essas mesmas pessoas que trabalham hoje no ambicioso programa de satélites do Inpe, que prevê lançar até 2014 três satélites. Entre 2015 e 2020, estão previstos mais dois satélites em parceria com a China, um em parceria com a Argentina, um satélite com a Agência Espacial Americana (Nasa) e três satélites nacionais.
"Não temos hoje condições de fazer dois satélites ao mesmo tempo", afirma Chamon. O satélite CBERS-3, feito com a China, segundo ele, será lançado no fim deste ano e desde fevereiro uma equipe de 30 a 50 técnicos e engenheiros do Inpe está no país para trabalhar na integração e testes finais do satélite. "Eles ficarão por lá até o lançamento do satélite e isso certamente reduziu o ritmo de trabalho de outros projetos, pois não há substituto para esse tipo de especialista."
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) liberou a abertura de concurso público para a contratação de 107 servidores para o Inpe em 2012, mas a instituição precisa de um mínimo de 400 contratações para repor especialistas em setores considerados estratégicos, como meteorologia, controle de satélites, ciência espacial e engenharia de satélites.
"Assim como nas universidades, precisamos de mecanismos que nos permitam repor nossos quadros de maneira sistemática, pois assim é possível preservar o conhecimento e transferi-lo aos poucos", explica.
"Há oito anos que o sindicato vem insistentemente cobrando as autoridades do governo federal sobre a contratação urgente de servidores para o Inpe e o DCTA. As poucas contratações que aconteceram foram temporárias, o que na área de ciência e tecnologia chega a ser uma estupidez," protesta o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindiCT), Fernando Morais Santos.
O Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Inpe (CPTEC), responsável pela produção de informações meteorológicas diárias e climáticas, possui hoje um total de 148 funcionários. Desses, cerca de 80 são contratados em regime temporário. "São atividades que não podem parar e esse pessoal temporário só tem mais dois anos para ficar no CPTEC", ressalta.
Entre os funcionários temporários do CPTEC, segundo Chamon, existe um grupo de 15 programadores, responsáveis por manter o supercomputador do centro em funcionamento, que encerram o contrato com a instituição no segundo semestre deste ano. "Sem esse pessoal não tem como fazer a previsão do tempo, pois são eles que colocam as informações que rodam no supercomputador", afirma Chamon.
Comentário do Ilha: Uma das ameaças ao crescimento do país é a falta de engenheiros e técnicos especializados. A crise na Europa aponta a solução de contratação de mão de obra estrangeira.
Publicado pelo Valor Econômico e transcrito na Resenha do Exército
Aeronáutica investe em inovação com apoio do MIT
Por Virgínia Silveira | Para o Valor, de São José dos Campos (SP)
O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos, em São Paulo, está fazendo um acordo com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, para estabelecer um novo modelo de educação em engenharia para cursos de engenharia no Brasil e criar um centro de inovação, com a participação de várias empresas brasileiras e o envolvimento do MIT. A informação é do o reitor do ITA, Carlos Américo Pacheco, que estima investimento de US$ 100 milhões para atender a essas iniciativas.
"Os centros de inovação do MIT possuem uma taxa de "spin-off" [criação de uma empresa a partir de outra] de cerca de 12%, ou seja, para cada cem projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, 12 se tornam negócios e empresas. Esse deve ser o modelo de referência para o ITA", afirmou Pacheco.
O reitor disse que o ITA tem interesse em colaborar com o MIT em áreas de eficiência energética, uso de biocombustível na aviação, engenharia aeronáutica, engenharia de sistemas, computação e sistemas críticos embarcados, sistemas de controle para veículos aéreos não tripulados, veículos subaquáticos e sistemas inerciais.
O MIT, por sua vez, segundo Pacheco, teria interesse nos temas de sustentabilidade, engenharia de sistemas e energias renováveis, e automação de plataformas de petróleo em águas profundas, que serão muito usadas no processo de exploração do pré-sal.
A parceria entre as duas instituições se estende também para outras iniciativas. O Brasil sediará, pela primeira vez, o Encontro Internacional de Design para Desenvolvimento Social (IDDS, na sigla em inglês), promovido por alunos do MIT. O foco do evento é no desenvolvimento de tecnologias que atendam às necessidades da população de baixa renda.
Com duração de 30 dias, o encontro reunirá 60 estudantes de engenharia no Brasil, dos quais 40 da Universidade de São Paulo (USP) e 20 do ITA, além de 20 colaboradores estrangeiros. Durante esse período, os alunos vão trabalhar no desenvolvimento de tecnologias que melhorem a vida de comunidades carentes previamente selecionadas por eles, em São Paulo e em São José dos Campos, explica um dos coordenadores do IDDS Brasil, professor da disciplina de Humanidades do ITA.
O evento acontece em um momento em que o ITA e o MIT trabalham em um processo de intensificação da cooperação internacional existente desde a década de 50.
Segundo o professor Kleba, em abril do ano passado 15 alunos do ITA e dois da USP já haviam realizado um projeto social em conjunto com alunos do MIT. Eles desenvolveram um filtrador de óleo vegetal para catadores de lixo reciclável em vários municípios de São Paulo. Denominado WVO (Waste Vegetable Oil), o projeto foi elaborado em um dos laboratórios do ITA e deu origem a um protótipo, que reduziu o custo de uma minifábrica de R$ 470 mil para R$ 1,3 mil, mantendo a mesma capacidade de produção.
Para Denis Costa Herrmann, aluno do terceiro ano de engenharia mecânica-aeronáutica do ITA e um dos organizadores do evento, a parceria com o IDDS gerou uma expectativa positiva entre os alunos da escola, pois oferece uma oportunidade real de colocar em prática o conhecimento da engenharia aprendido em sala de aula, desenvolvendo soluções inovadoras para comunidades carentes.
"Temos poucas oportunidades dentro da universidade para praticar aquilo que aprendemos durante o curso. A proposta do IDDS cria uma motivação diferente para os alunos, que aprendem a utilizar o conhecimento da engenharia no desenvolvimento de soluções de caráter social", destaca o estudante Marcus Ganter, do ITA e também um dos organizadores do IDDS 2012.
Comentário do Ilha: A capacidade de gestão do ITA é admirável. Suas ações são bem orientadas para a visão de futuro da Aeronáutica brasileira.
Publicado pelo Valor Econômico e transcrito na Resenha do Exército
Recursos escassos ameaçam projetos
Por De São José dos Campos
A modernização da base de lançamento de foguetes em Alcântara, no Maranhão e o desenvolvimento de veículos lançadores e de satélites estão entre as prioridades do governo federal na área espacial. Esses projetos já têm, inclusive, recursos garantidos da ordem de R$ 2,2 bilhões até 2015, conforme previsto no plano plurianual 2012-2015.
Embora estejam na lista de prioridades de investimentos, alguns projetos ainda sofrem com a insuficiência de recursos. Somados à falta de especialistas em diversas áreas, os planos do governo nessa área poderão ser afetados. O lançamento do foguete VLS (Veículo Lançador de Satélite), por exemplo, que estava previsto para o início de 2013, deverá ser adiado.
"Para cumprir a meta de lançamento no ano que vem precisamos de R$ 55 milhões e para este ano só temos disponível um pouco mais de R$ 16 milhões", revela o diretor do DCTA, brigadeiro Ailton dos Santos Pohlmann.
Os projetos que não estão na indústria, como os foguetes, são os mais afetados pelos constantes contingenciamentos de recursos e a falta de pessoal. "O setor de aerodinâmica de foguetes do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) já teve 18 especialistas. Hoje tem apenas quatro", comenta o presidente da AAB, Paulo Moraes.
O pesquisador, que trabalha no IAE, ressalta que não está sendo formado um número suficiente de engenheiros no Brasil para atender às novas iniciativas do governo, das empresas de tecnologia e também a uma indústria de defesa em fase de crescimento.
Com 11 institutos e dois centros de lançamento de foguetes, em Alcântara, no Maranhão, e em Natal (RN), o DCTA é o órgão da Aeronáutica que executa e coordena os principais projetos do governo na área de defesa. O programa de lançadores VLS e o Cruzeiro do Sul, que seria uma nova geração de foguetes, são os mais conhecidos.
A lista de responsabilidades do DCTA, no entanto, inclui ainda outros programas de vulto, como o da aeronave de transporte militar KC-390, que está sendo desenvolvida pela Embraer, o processo de seleção das novas aeronaves de combate F-X2 e de todos os mísseis utilizados pela Força Aérea Brasileira (FAB), que hoje estão sendo produzidos pelas empresas Mectron, controlada pelo grupo Odebrecht, e Avibras.
O DCTA também coordena a compra de outras aeronaves, como os 56 helicópteros que estão sendo adquiridos da Helibras para as Forças Armadas, os Super Tucano produzidos pela Embraer, a modernização da frota de aeronaves F-5 e AMX e o desenvolvimento de veículos aéreos não tripulados. (VS)
Comentário do Ilha: A Base Industrial de Defesa no Brasil ainda é pequena. Exportamos pouco; ano passado as vendas externas foram de R$ 1 bilhão, num mercado que movimenta mil vezes mais que isso. As Forças Armadas têm investido muito pouco na aquisição de equipamentos. Esse cenário está mudando, mas a falta de pessoal especializado será um entrave para um rápido crescimento no setor.
Publicado pela Folha de São Paulo e transcrito na Resenha do Exército
No fim, todos ganham
Eliane CantanhêdeESTOCOLMO - A esta altura, mais de dez anos de idas e vindas, todo mundo (quase literalmente) já sabe que o Brasil precisa comprar 36 caças para renovar a frota da FAB. O que poucos sabem é que esta é apenas a parte visível de um processo bem mais complexo.
Com os caças, o Brasil entrou no radar dos países líderes na área de defesa e está sendo cobiçado e levado a sério no contexto internacional -apesar dos vexames pelo caminho.
As empresas selecionadas para o programa dos caças -Boeing (EUA), Saab (Suécia) e Dassault (França)- vêm descobrindo no Brasil um mercado de ouro tanto para a aviação civil, que cresce exponencialmente, quanto para a defesa.
Como comparação, a Suécia tem mais de 9 milhões de habitantes, e o Brasil, mais de 190 milhões. Com empregos, a renda crescendo, as viagens multiplicam-se e isso não vai parar.
Na área de defesa, os dois programas mais vistosos para as empresas são o Sisfron, sistema integrado de fiscalização e controle da Amazônia e das fronteiras terrestres, e o Sisgaaz, da chamada "Amazônia Azul", ou seja, para o pré-sal e a fronteira marítima. Eles envolvem satélites, radares, inteligência, cibernética, mísseis, torpedos.
Na semana passada, dois técnicos de primeiro time da Boeing estiveram em Brasília para trocar ideias na área militar sobre o que o Brasil precisa e o que eles têm a oferecer. Na semana que vem, será a vez de técnicos da Saab. E, evidentemente, a Dassault não ficará atrás.
Brinca-se em Brasília que os políticos preferem a oferta francesa (Rafale), os pilotos, a norte-americana (F-18), e os engenheiros, a sueca (Gripen), sem falar que Lula manifestava a opção pelos Rafale e o relatório da FAB aponta os Gripen.
Independentemente disso, todos eles fincaram uma estaca no Brasil e estão em frenética fase de prospecção de negócios para os próximos 30, 50 anos. Vieram para ficar.
Comentário do Ilha: A crise econômica na Europa pode servir para disponibilizar mão de obra especializada em projetos no Brasil. Hoje, nosso país atrai investimentos estrangeiros e é necessário que se aproveite essa situação para a modernização das Forças Armadas.
Notícia - Dilma critica 'fantasia' na Rio+20 e defende usinas hidrelétricas do país
Publicado hoje no Globo e transcrito na resenha do Exército.
Nisso, a presidente está absolutamente correta!
Dilma critica 'fantasia' na Rio+20 e defende usinas hidrelétricas do país
Para presidente, mundo não será abastecido com fontes solar e eólica
Catarina Alencastro
BRASÍLIA. A presidente Dilma Rousseff defendeu ontem que a Rio+20 seja uma conferência que dê respostas reais aos problemas de desenvolvimento sustentável e não um fórum que discuta a "fantasia", destacando que não é realista achar que o mundo todo será abastecido com energia eólica e solar. A presidente afirmou que a conferência será um ponto de partida, no qual os principais desafios que o mundo terá de enfrentar neste século se cruzarão - como as mudanças climáticas, a preservação da biodiversidade, a produção de alimentos, o acesso à água e a redução da pobreza.
- Vamos propor um novo paradigma de crescimento que não pareça etéreo e fantasioso. Ninguém aceita discutir a fantasia. Eu tenho que explicar para as pessoas como é que elas vão comer, como é que elas vão ter acesso a água e a energia - discursou Dilma, para uma plateia formada por ambientalistas, presentes no Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas.
A presidente Dilma afirmou ainda que o Brasil é um país diferenciado na questão ambiental e tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, o que dá ao governo condições de assumir um papel de liderança na Conferência sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
Dilma disse que, na Rio+20, o país tem que ter ao mesmo tempo liderança e humildade para mostrar que é possível crescer e preservar o meio ambiente ao mesmo tempo. E afirmou ainda que o Brasil, além das hidrelétricas, "teimou" em ter um plano de etanol. Segundo ela, o país pode ser tornar uma das maiores economias do mundo sem degradar seus recursos naturais, num modelo que chamou de círculo virtuoso.
Nisso, a presidente está absolutamente correta!
Dilma critica 'fantasia' na Rio+20 e defende usinas hidrelétricas do país
Para presidente, mundo não será abastecido com fontes solar e eólica
Catarina Alencastro
BRASÍLIA. A presidente Dilma Rousseff defendeu ontem que a Rio+20 seja uma conferência que dê respostas reais aos problemas de desenvolvimento sustentável e não um fórum que discuta a "fantasia", destacando que não é realista achar que o mundo todo será abastecido com energia eólica e solar. A presidente afirmou que a conferência será um ponto de partida, no qual os principais desafios que o mundo terá de enfrentar neste século se cruzarão - como as mudanças climáticas, a preservação da biodiversidade, a produção de alimentos, o acesso à água e a redução da pobreza.
- Vamos propor um novo paradigma de crescimento que não pareça etéreo e fantasioso. Ninguém aceita discutir a fantasia. Eu tenho que explicar para as pessoas como é que elas vão comer, como é que elas vão ter acesso a água e a energia - discursou Dilma, para uma plateia formada por ambientalistas, presentes no Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas.
A presidente Dilma afirmou ainda que o Brasil é um país diferenciado na questão ambiental e tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, o que dá ao governo condições de assumir um papel de liderança na Conferência sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
Dilma disse que, na Rio+20, o país tem que ter ao mesmo tempo liderança e humildade para mostrar que é possível crescer e preservar o meio ambiente ao mesmo tempo. E afirmou ainda que o Brasil, além das hidrelétricas, "teimou" em ter um plano de etanol. Segundo ela, o país pode ser tornar uma das maiores economias do mundo sem degradar seus recursos naturais, num modelo que chamou de círculo virtuoso.
Independência desarmônica - de Mário Cesar Flores
O Almirante Mário César Flores é uma das minhas leituras favoritas. Transcrevo seu texto publicado hoje no Estado de São Paulo e que consta da Resenha do Exército.
Independência desarmônica
MARIO CESAR FLORES - O Estado de S.Paulo
A independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, inerente à democracia e necessária ao exercício de suas atribuições, é complementada na Constituição pela harmonia entre eles. No funcionamento objetivo dos Poderes não tem havido manifestações expressivas de desarmonia, mas há uma de natureza corporativa que se eterniza: a desarmonia salarial, que situa o Judiciário, o Legislativo, o Ministério Público e algumas categorias do Executivo excepcionalmente assimétricos - no serviço público e mais ainda no universo brasileiro assalariado em geral.
O quadro anômalo inclui nuanças de difícil avaliação quanto ao certo ou errado. Mas - exemplos simbólicos - o que dizer da disparidade salarial entre motoristas que dirigem o mesmo tipo de carro, no mesmo trânsito, para juiz de tribunal superior ou senador e para autoridade do Executivo? O que explica serem os salários da base de apoio do Congresso Nacional superiores aos de categorias de instrução superior do Executivo - médicos e professores, por exemplo? A remuneração de segurança do Senado é de R$ 13.800 (mídia 14/2). O que a justifica - 22 salários mínimos - superior à de coronel do Exército? Exemplo inspirado em comentário do então presidente Lula (mídia, 27/6/2009): por que a remuneração de engenheiro que constrói uma estrada é inferior à do auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) que fiscaliza o processo? Seria o gabinete em Brasília, mais desconfortável e insalubre?
Consciente de que a redução da desarmonia pelo aumento significativo das remunerações deixadas para trás seria incompatível com a saúde fiscal do Estado, mas propenso a deslanchar um processo corretivo, ainda que gradativo, o Executivo enviou ao Congresso, em 1989, projeto de lei que pretendia regular a matéria e esclarecer expressões constitucionais equívocas, cujas interpretações flexíveis facilitam a indução de desarmonia. Expressões como "vantagens de caráter individual e relativas à natureza e local de trabalho" e - esta particularmente complexa - "cargos com atribuições iguais, ou assemelhadas".
O projeto foi arquivado porque feria a independência dos Poderes (no caso, a corporativa, mantida incólume a funcional) e a solução praticamente não tem avançado. A Emenda Constitucional n.º 19 (1998) eclipsou o ideal isonômico do Texto Constitucional de 1988 (utópico em sua plenitude, mas ao menos referência contra distorções excessivas) e na fixação das remunerações introduziu expressões também melífluas, tais como "a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos" e "as peculiaridades dos cargos", que mantêm a flexibilidade subjetiva na interpretação, respaldando a desarmonia. Reafirma que "os vencimentos dos cargos do Legislativo e do Judiciário não podem ser superiores aos pagos pelo Executivo", deixando em branco as questões: que cargos correspondem a que cargos (questão que exige regulação por lei)? Os acréscimos que alimentam a desarmonia se incluem nos vencimentos?
A emenda admite (não impõe) o estabelecimento de relação-limite entre a maior e a menor remuneração no serviço público. É improvável que esse dispositivo se concretize: porque, se instituído, o aumento no topo da pirâmide rebocaria o da base, na verdade, o de toda a pirâmide, criando uma carga fiscal inviabilizadora. Reboque justo: as "perdas da inflação", sempre citadas para justificar pleitos de revisão salarial, estendem-se a toda a pirâmide e são mais sensíveis na sua base! Ademais, o que seria exatamente a remuneração da relação-limite? Ela incluiria "para valer" a miríade de vantagens, como manda a Constituição?
Essa dúvida tem amparo num fato instigante da realidade vigente: o limite máximo da remuneração explícito na Constituição federal - o "subsídio" de ministro do Supremo Tribunal Federal, hoje cerca de 45 (!) salários mínimos -, nele "...ncluídas as vantagens pessoais e de qualquer outra natureza...", não tem obstado exceções exuberantes. A pletora de salários públicos que excedem o "limite máximo" constitucional resulta de sentenças judiciais ou de normas corporativas vistas como legais, ao amparo do direito impreciso. E a prática prossegue desinibida, apesar das críticas sensacionalizadas na mídia, logo esquecidas na permissividade complacente da sociedade.
O Brasil não comporta um quadro de salários públicos em razoável harmonia no paradigma de nível alto que hoje atende a alguns segmentos. E para que a moderação exigida pela responsabilidade fiscal seja justa é necessário compartilhá-la, é preciso, ao menos, reduzir as manifestações de desarmonia exponencial. A harmonia razoável e suportável pelo erário é um desiderato complexo e demorado, provavelmente mais hoje do que teria sido há 22 anos, porque ao longo desse tempo cresceu e se consolidou a força corporativa de categorias poderosas. O que exatamente seria ela terá de ser pensado no processo, considerados criteriosamente as qualificações e o empenho realmente exigidos pela natureza, responsabilidade, complexidade e pelas peculiaridades dos cargos (critérios do texto constitucional). É provável que o processo tenha de incluir artifícios polêmicos, como seria, por exemplo, a adoção temporária de ritmos de aumento distintos, redutores da desarmonia no longo prazo.
Sem atabalhoamento - porque na democracia não há solução mágica e o problema é, de fato, complexo -, é preciso ser desencadeado algo nesse sentido. Não será fácil rever concepções entendidas como legais e/ou já consuetudinariamente praticadas, não será fácil esclarecer preceitos que, embora supostamente devessem servir à ordem racional, acabam dando espaço corporativo subjetivo à ambiguidade indutora de desarmonia. Ocorrerão manifestações de discordância, mas a lógica da harmonia - se não a ideal, pelo menos a razoável e possível - haverá de prevalecer.
*ALMIRANTE DE ESQUADRA (REFORMADO)
Independência desarmônica
MARIO CESAR FLORES - O Estado de S.Paulo
A independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, inerente à democracia e necessária ao exercício de suas atribuições, é complementada na Constituição pela harmonia entre eles. No funcionamento objetivo dos Poderes não tem havido manifestações expressivas de desarmonia, mas há uma de natureza corporativa que se eterniza: a desarmonia salarial, que situa o Judiciário, o Legislativo, o Ministério Público e algumas categorias do Executivo excepcionalmente assimétricos - no serviço público e mais ainda no universo brasileiro assalariado em geral.
O quadro anômalo inclui nuanças de difícil avaliação quanto ao certo ou errado. Mas - exemplos simbólicos - o que dizer da disparidade salarial entre motoristas que dirigem o mesmo tipo de carro, no mesmo trânsito, para juiz de tribunal superior ou senador e para autoridade do Executivo? O que explica serem os salários da base de apoio do Congresso Nacional superiores aos de categorias de instrução superior do Executivo - médicos e professores, por exemplo? A remuneração de segurança do Senado é de R$ 13.800 (mídia 14/2). O que a justifica - 22 salários mínimos - superior à de coronel do Exército? Exemplo inspirado em comentário do então presidente Lula (mídia, 27/6/2009): por que a remuneração de engenheiro que constrói uma estrada é inferior à do auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) que fiscaliza o processo? Seria o gabinete em Brasília, mais desconfortável e insalubre?
Consciente de que a redução da desarmonia pelo aumento significativo das remunerações deixadas para trás seria incompatível com a saúde fiscal do Estado, mas propenso a deslanchar um processo corretivo, ainda que gradativo, o Executivo enviou ao Congresso, em 1989, projeto de lei que pretendia regular a matéria e esclarecer expressões constitucionais equívocas, cujas interpretações flexíveis facilitam a indução de desarmonia. Expressões como "vantagens de caráter individual e relativas à natureza e local de trabalho" e - esta particularmente complexa - "cargos com atribuições iguais, ou assemelhadas".
O projeto foi arquivado porque feria a independência dos Poderes (no caso, a corporativa, mantida incólume a funcional) e a solução praticamente não tem avançado. A Emenda Constitucional n.º 19 (1998) eclipsou o ideal isonômico do Texto Constitucional de 1988 (utópico em sua plenitude, mas ao menos referência contra distorções excessivas) e na fixação das remunerações introduziu expressões também melífluas, tais como "a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos" e "as peculiaridades dos cargos", que mantêm a flexibilidade subjetiva na interpretação, respaldando a desarmonia. Reafirma que "os vencimentos dos cargos do Legislativo e do Judiciário não podem ser superiores aos pagos pelo Executivo", deixando em branco as questões: que cargos correspondem a que cargos (questão que exige regulação por lei)? Os acréscimos que alimentam a desarmonia se incluem nos vencimentos?
A emenda admite (não impõe) o estabelecimento de relação-limite entre a maior e a menor remuneração no serviço público. É improvável que esse dispositivo se concretize: porque, se instituído, o aumento no topo da pirâmide rebocaria o da base, na verdade, o de toda a pirâmide, criando uma carga fiscal inviabilizadora. Reboque justo: as "perdas da inflação", sempre citadas para justificar pleitos de revisão salarial, estendem-se a toda a pirâmide e são mais sensíveis na sua base! Ademais, o que seria exatamente a remuneração da relação-limite? Ela incluiria "para valer" a miríade de vantagens, como manda a Constituição?
Essa dúvida tem amparo num fato instigante da realidade vigente: o limite máximo da remuneração explícito na Constituição federal - o "subsídio" de ministro do Supremo Tribunal Federal, hoje cerca de 45 (!) salários mínimos -, nele "...ncluídas as vantagens pessoais e de qualquer outra natureza...", não tem obstado exceções exuberantes. A pletora de salários públicos que excedem o "limite máximo" constitucional resulta de sentenças judiciais ou de normas corporativas vistas como legais, ao amparo do direito impreciso. E a prática prossegue desinibida, apesar das críticas sensacionalizadas na mídia, logo esquecidas na permissividade complacente da sociedade.
O Brasil não comporta um quadro de salários públicos em razoável harmonia no paradigma de nível alto que hoje atende a alguns segmentos. E para que a moderação exigida pela responsabilidade fiscal seja justa é necessário compartilhá-la, é preciso, ao menos, reduzir as manifestações de desarmonia exponencial. A harmonia razoável e suportável pelo erário é um desiderato complexo e demorado, provavelmente mais hoje do que teria sido há 22 anos, porque ao longo desse tempo cresceu e se consolidou a força corporativa de categorias poderosas. O que exatamente seria ela terá de ser pensado no processo, considerados criteriosamente as qualificações e o empenho realmente exigidos pela natureza, responsabilidade, complexidade e pelas peculiaridades dos cargos (critérios do texto constitucional). É provável que o processo tenha de incluir artifícios polêmicos, como seria, por exemplo, a adoção temporária de ritmos de aumento distintos, redutores da desarmonia no longo prazo.
Sem atabalhoamento - porque na democracia não há solução mágica e o problema é, de fato, complexo -, é preciso ser desencadeado algo nesse sentido. Não será fácil rever concepções entendidas como legais e/ou já consuetudinariamente praticadas, não será fácil esclarecer preceitos que, embora supostamente devessem servir à ordem racional, acabam dando espaço corporativo subjetivo à ambiguidade indutora de desarmonia. Ocorrerão manifestações de discordância, mas a lógica da harmonia - se não a ideal, pelo menos a razoável e possível - haverá de prevalecer.
*ALMIRANTE DE ESQUADRA (REFORMADO)
domingo, 1 de abril de 2012
Não rasgar tratados de paz
O artigo 'Não é adequado comparar anistias' , publicado hoje no Estado de São Paulo, vai ao encontro dos textos que tenho escrito. Ele reforça o entedimento que a anistia no Brasil nasceu de um acordo entre o governo militar e as lideranças políticas da sociedade, permitindo o apaziguamento do país e a redemocratização.
Eu considero a Lei da Anistia um tratado de paz. Esse tratado não pode, mais de trinta anos depois, ser revisto ao sabor da corrente política detentora do poder.
Leiam o artigo do Estado de São Paulo no link http://www.estadao.com.br/ noticias/ impresso,nao-e-adequado-com parar-anistias-,856102,0.h tm
Eu considero a Lei da Anistia um tratado de paz. Esse tratado não pode, mais de trinta anos depois, ser revisto ao sabor da corrente política detentora do poder.
Leiam o artigo do Estado de São Paulo no link http://www.estadao.com.br/
Aí, não dá...
A Lei da anistia não se destinou a perdoar assassinos, ladrões, terroristas, guerrilheiros ou torturadores. A sua finalidade foi apaziguar o País e oferecer condições para a redemocratização. O perdão aos criminosos foi uma condição para esse apaziguamento.
Podemos pensar na anistia como um marco na história do Brasil. Quem viveu naquela época sabe que o governo militar a partir de 1979 estava longe de ser uma ditadura. De 1979 a 1985, o cenário político do país caminhou em passos largos para o fim do regime militar; o movimento político foi tão intenso que a ARENA, maior partido do Ocidente e base de sustentação do governo, foi esfacelada nesse período. Assim, a Lei da Anistia pode ser entendida como um tratado de paz.
Os objetivos explícitos na lei que criou a Comissão da Verdade atentam contra a paz estabelecida pela Anistia, sobretudo porque focam apenas os crimes cometidos pelos agentes do Estado e não se preocupam em esclarecer os crimes cometidos pelos "bandeiras vermelhas". Isso é inaceitável.
Homens de bem não têm medo da verdade; mas esclarecer apenas metade dos fatos é ditar meia verdade e distorcer a história. Não haveria essa reação dos militares da reserva se os objetivos da Comissão da Verdade incluíssem o esclarecimento de TODOS os crimes.
Há quem argumente que essa comissão é legítima porque foi instituída pelo congresso conforme os ditames legais. Ocorre que os analistas políticos são unânimes em afirmar que não há oposição no Congresso, totalmente controlado pela base do governo.
Desse modo, pode-se dizer que essa Comissão está sendo imposta ao país, destina-se a expor apenas um lado da verdade e a distorcer a história.
Ontem, hoje e sempre
Tentam dissociar os militares de hoje daqueles que combateram a subversão nos anos 60 e 70. Nesse aspecto, vou me ater aos oficiais do Exército e digo que as paredes do Conjunto Principal da AMAN são as mesmas desde 1944; gerações e gerações de oficiais deitaram naqueles colchões de palha que só trinta anos atrás foram substituídos por espuma; o frio do inverno resendense não mudou; todos sabemos que a água quente do chuveiro do cadete só existe entre 16h00 e 16h15; no rancho, sempre houve um garçom flexa, que ia embora rápido e não voltava com a bandeira reposta; respeitáveis oficiais um dia foram bichos e desfrutaram do delicioso coquetel debaixo da mesa do refeitório; todo mundo pelo menos um dia na vida foi torrado; todos sabemos que um homem calçado não está atrasado; enfim, todos nós saímos da AMAN, mas a AMAN não sai de dentro de nós. Então, não dá para separar os oficiais de ontem, de hoje e de sempre.