quinta-feira, 5 de maio de 2011

Um bunker em Bagdá

Em 1998, eu passei alguns meses trabalhando no Iraque. Durante aquele tempo, eu cumpri uma tarefa que tomei por obrigação moral. Por duas vezes, visitei um bunker na periferia de Bagdá que havia sido atingido durante a primeira guerra do Golfo, em 1991. Tratava-se de um edifício fortificado, destinado a abrigar a população de um bairro dos bombardeios despejados pelas forças norte-americanas.

De acordo com a guia do local, num desses ataques, o bunker estava lotado. Havia algo como umas mil pessoas abrigadas ali, a maioria mulheres e crianças. Daí, veio o primeiro míssil Tomahawk que perfurou a grossa espessura de concreto armado do teto. Em seguida, veio o segundo míssil. O bunker tornou-se uma bola de fogo. O edifício manteve-se praticamente intacto, mas quase todos que nele se abrigavam morreram imediatamente.

Depois da guerra, Saddam Hussein transformou aquele edifício numa espécie de monumento. Nas duas visitas, fui recepcionado pela mesma mulher, uma sobrevivente do ataque norte-americano, que também era minha guia e se apresentava como uma mãe orfã de seus cinco filhos. Ela os deixara ali, naquele bunker, poucos minutos antes dele ser atingido. Fora pegar algo em casa, ali perto, deixou suas crianças sob os cuidados do menino mais velho e nunca mais os viu.

Na visita, notei que as paredes internas do bunker continham pedacinhos de pele carbonizados. Eram marcas de pequenas mãos, mãozinhas de crianças, grudadas no cimento.

Lembrei que, na época da guerra, aquele ataque ganhou destaque da imprensa e muitos reclamaram. Houve um claro desconforto do governo norte-americano que, por fim, explicou que algumas altas autoridades iraquianas usavam os civis como escudo. Esses governantes eram um lícito alvo de guerra. Então, prevaleceu o argumento de que era certo lançar mísseis contra um pequeno grupo de inimigos, mesmo que isso significasse sacrificar várias centenas de vidas inocentes.

Vinte anos depois, os Estados Unidos lançaram outro ataque contra outra fortaleza. Na casa murada, próxima a uma academia militar do Paquistão, morava Osama Bin Laden, o terrorista mais procurado do mundo, responsável por várias dezenas de milhares de mortes, também inocentes. Na ação, morreram Bin Laden e algumas outras poucas pessoas.

Dessa vez, há quem reclame que o genocida foi executado quando poderia ser capturado vivo.

Pode ser que a razão esteja com quem se queixa, mas também pode ser que nem tanto assim. Para mim, o terrorista sofreu o castigo merecido e não fico triste por ele. Tristeza mesmo eu tenho é por aqueles pequenos pedaços de mãos grudados nas paredes de um bunker em Bagdá.


Nenhum comentário:

Postar um comentário