sábado, 31 de março de 2018

O QUE FOI 31 DE MARÇO DE 1964

*O QUE FOI 31 DE MARÇO DE 1964*

Por Alexandre Garcia

Gostaria de dizer algumas coisas sobre o que aconteceu no dia 31/03/1964 e nos anos que se seguiram. Porque concluo, diante do que ouço de pessoas em quem confio intelectualmente, que há algo muito errado na forma como a história é contada. Nada tão absurdo, considerando as balelas que ouvimos... sobre o "descobrimento" do Brasil ou a forma como as pessoas fazem vistas grossas para as mortes e as torturas perpetradas pela Igreja Católica durante séculos. Mas, ainda assim, simplesmente não entendo como é possível que esse assunto seja tão parcial e levianamente abordado pelos que viveram aqueles tempos e, o que é pior, pelos que não viveram. Nenhuma pessoa dotada de mediano senso crítico vai negar que houve excessos por parte do Governo Militar. Nesta seara, os fatos falam por si e por mais que se tente vislumbrar certos aspectos sob um prisma eufemístico, tortura e morte são realidades que emergem de maneira inegável.
Ocorre que é preciso contextualizar as coisas. Porque analisar fatos extirpados do substrato histórico-cultural em meio ao qual eles foram forjados é um equívoco dialético (para os ignorantes) e uma desonestidade intelectual (para os que conhecem os ditames do raciocínio lógico). E o que se faz com relação aos Governos Militares do Brasil é justamente ignorar o contexto histórico e analisar seus atos conforme o contexto que melhor serve ao propósito de denegri-los.
Poucos lembram da Guerra Fria, por exemplo. De como o mundo era polarizado e de quão real era a possibilidade de uma investida comunista em território nacional. Basta lembrar de Jango e Jânio; da visita à China; da condecoração de Guevara, este, um assassino cuja empatia pessoal abafa sua natureza implacável diante dos inimigos.
Nada contra o Comunismo, diga-se de passagem, como filosofia. Mas creio que seja desnecessário tecer maiores comentários sobre o grau de autoritarismo e repressão vivido por aqueles que vivem sob este sistema. Porque algumas pessoas adoram Cuba, idolatram Guevara e celebram Chavez, até. Mas esquecem do rastro de sangue deixado por todos eles; esquecem as mazelas que afligem a todos os que ousam insurgir-se contra esse sistema tão "justo e igualitário". Tão belo e perfeito que milhares de retirantes aventuram-se todos os anos em balsas em meio a tempestades e tubarões na tentativa de conseguirem uma vida melhor.
A grande verdade é que o golpe ou revolução de 1964, chame como queira, talvez tenha livrado seus pais, avós, tios e até você mesmo e sua família de viver essa realidade. E digo talvez, porque jamais saberemos se isso, de fato, iria acontecer. Porém, na dúvida, respeito a todos os que não esperaram sentados para ver o Brasil virar uma Cuba.
Respeito, da mesma forma, quem pegou em armas para lutar contra o Governo Militar. Tendo a ver nobreza nos que renunciam ao conforto pessoal em nome de um ideal. Respeito, honestamente.Mas não respeito a forma como esses "guerreiros" tratam o conflito. E respeito menos ainda quem os trata como heróis e os militares como vilões. É uma simplificação que as pessoas costumam fazer. Fruto da forma dual como somos educados a raciocinar desde pequenos. Ainda assim, equivocada e preconceituosa.
Numa guerra não há heróis. Menos ainda quando ela é travada entre irmãos. E uma coisa que se aprende na caserna é respeitar o inimigo. Respeitar o inimigo não é deixar, por vezes, de puxar o gatilho. Respeitar o inimigo é separar o guerreiro do homem. É tratar com nobreza e fidalguia os que tentam te matar, tão logo a luta esteja acabada. É saber que as ações tomadas em um contexto de guerra não obedecem à ética do dia-a-dia. Elas obedecem a uma lógica excepcional; do estado de necessidade, da missão acima do indivíduo, do evitar o mal maior.
Os grandes chefes militares não permanecem inimigos a vida inteira. Mesmo os que se enfrentam em sangrentas batalhas. E normalmente se encontram após o conflito, trocando suas espadas como sinal de respeito. São vários os exemplos nesse sentido ao longo da história. Aconteceu na Guerra de Secessão, na Segunda Guerra Mundial, no Vietnã, para pegar exemplos mais conhecidos. A verdade é que existe entre os grandes Generais uma relação de admiração.
A esquerda brasileira, por outro lado, adora tratar os seus guerrilheiros como heróis. Guerreiros que pegaram em armas contra a opressão; que sequestraram, explodiram e mataram em nome do seu ideal. E aí eu pergunto: os crimes deles são menos importantes que os praticados pelos militares? O sangue dos soldados que tombaram é menos vermelho do que o dos guerrilheiros? Ações equivocadas de um lado desnaturam o caráter nebuloso das ações praticadas pelo outro? Penso que não. E vou além.A lei de Anistia é um perfeito exemplo da nobreza que me referi anteriormente. Porque o lado vencedor (sim, quem fica 20 anos no poder e sai porque quer, definitivamente é o lado vencedor) concedeu perdão amplo e irrestrito a todos os que participaram da luta armada. De lado a lado. Sem restrições. Como deve ser entre cavalheiros. E por pressão de Figueiredo, ressalto, desde já. Porque havia correntes pressionando por uma anistia mitigada.
Esse respeito, entretanto. Só existiu de um lado. Porque a esquerda, amargurada pela derrota e pela pequenez moral de seus líderes nada mais fez nos anos que se seguiram, do que pisar na memória de suas Forças Armadas. E assim seguem fazendo. Jogando na lama a honra dos que tombaram por este país nos campos de batalha. E contaminando a maneira de pensar daqueles que cresceram ouvindo as tolices ditas pelos nossos comunistas. Comunistas que amam Cuba e Fidel, mas que moram nas suas coberturas e dirigem seus carrões. Bem diferente dos nossos militares, diga-se de passagem.
Graças a eles, nossa juventude sente repulsa pela autoridade. Acha bonito jogar pedras na Polícia e acha que qualquer ato de disciplina encerra um viés repressivo e antilibertário. É uma total inversão de valores. O que explica, de qualquer forma, a maneira como tratamos os professores e os idosos no Brasil.Então, neste dia 31 de março, celebrarei aqueles que se levantaram contra o mal iminente. Celebrarei os que serviram à Pátria com honra e abnegação. Celebrarei os que honraram suas estrelas e divisas e não deixaram nosso país cair nas mãos da escória moral que, anos depois, o povo brasileiro resolveu por bem colocar no Poder.
Bem feito. Cada povo tem os políticos que merece.
Se você não gosta das Forças Armadas porque elas torturaram e mataram, então, seja, pelo menos, coerente. E passe a nutrir o mesmo dissabor pela corja que explodiu, sequestrou e justiçou, do outro lado.
Mas tenha certeza que, se um dia for necessário sacrificar a vida para defender nosso território e instituições, você só verá um desses lados ter honradez para fazê-lo.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Brilhante Ulstra

DEPOIMENTO de quem recebeu uma MISSÃO e cumpriu. E que não tem sua história publicada em nenhum livro adotado pelo MEC. É uma história de quem VIVEU a triste e dura SITUAÇÃO da época.                           Em 1961, em pleno governo Jânio Quadros, Jover Telles, Francisco Julião e Clodomir dos Santos Morais estavam em Cuba acertando cursos de guerrilha e o envio de armas para o Brasil. Logo depois, alguns jovens eram indicados para cursos na China e em Cuba. Bem antes de 1964 a área do Araguaia já estava  escolhida pelo PC do B para implantar a guerrilha rural.

    Em 1961 estávamos em plena democracia. Então para que eles estavam se organizando? Julião já treinava as suas Ligas Camponesas nessa época, que eram muito semelhantes ao MST de hoje. Só que sem a organização, o preparo, os recursos, a formação de quadros e a violenta doutrinação marxista dos atuais integrantes do MST.

   E foi com essa propaganda mentirosa que eles iludiram muitos jovens e os cooptaram para as suas organizações terroristas.

    Então, começaram os atentados a bomba. assaltos e assassinatos.

    Foram vários atos terroristas:  o atentado ao aeroporto de Guararapes, em Recife, em 1966; a bomba no Quartel General do Exército em São Paulo, em 1968; o atentado contra o consulado americano; o assassinato do industrial Albert Boilesen e do capitão do Exército dos Estados Unidos Charles Rodney Chandler; o assassinato a tiros de metralhdora, pelas costas, do marinheiro inglês David Cuthberg, seqüestros de embaixadores estrangeiros no Brasil .

   A violência revolucionária se instalou. Assassinatos, ataques a quartéis e a policiais aconteciam com freqüência.

    Nessa época, eles introduziram no Brasil a maneira de roubar dinheiro com assaltos a bancos, a carros fortes e a estabelecimentos comerciais. Foram eles os mestres que ensinaram tais táticas aos bandidos de hoje.Tudo treinado nos cursos de guerrilha em Cuba e na China.

     As polícias civil e militar sofriam  pesadas baixas e não conseguiam , sozinhas, impor a lei e a ordem.

    Para combater com eficiência o caos que estava se instalando, o governo decretou o AI-5, pelo qual várias liberdades individuais foram suspensas. Foi um ato arbitrário mas necessário. A tênue democracia que vivíamos não  se podia   deixar destruir.

     Para combater o terrorismo, o governo criou uma estrutura com a participação dos Centros de Informações da Marinha (CENIMAR), do Exército (CIE)   e da Aeronáutica (CISA). Todos atuavam em conjunto, tanto na guerrilha rural   quanto na urbana. O Exército, em algumas capitais, criou o seu braço operacional, os Destacamentos de Operações de Informações ( DOI). Para trabalharem nos  diversos DOI do Brasil,  o Exército  selecionou do seu efetivo alguns majores, capitães e sargentos. Eram, no máximo,  350 militares, entre os 150 mil homens da  Exército.

    Eu era major, estagiário da Escola de Estado Maior. Tinha na época 37 anos e servia no II Exército, em São Paulo. Num determinado dia do ano de 1970, fui chamado ao gabinete do comandante do II Exército, general José Canavarro Pereira, que me deu a seguinte ordem: "Major, o senhor foi designado para comandar o DOI/CODI/II Ex. Vá, assuma e comande com dignidade".

    A partir desse dia minha vida mudou. O DOI de São Paulo era o maior do país  e era nesse Estado que as organizações terroristas estavam mais atuantes.  O seu efetivo em pessoal era de 400 homens. Destes, 40 eram do Exército, sendo 10 oficiais, 25 sargentos e 5 cabos. No restante, eram excelentes policiais civis e militares do Estado de São Paulo. Esses foram dias terríveis! Nós recebíamos ameaças freqüentemente.

    Minha mulher foi de uma coragem e de uma abnegação total. Quando  minha filha mais velha completou 3 anos de idade, ela foi para o jardim da infância, sempre acompanhada de seguranças. Minha mulher não tinha coragem de permanecer em casa, enquanto nossa filha estudava. Ela ficava dentro de um carro, na porta da escola, com um revólver na bolsa.

  Não somente nós passamos por isso! Essa foi a vida dos militares que foram designados para   combater o terrorismo e para que o restante do nosso Exército trabalhasse tranqüilo e em paz.   

   Apreendemos em "aparelhos" os estatutos de, praticamente, todas as organizações terroristas e em todos eles estava escrito, de maneira bem clara, que o objetivo da luta armada urbana e rural era a implantação de um regime comunista em nosso país.

    Aos poucos o nosso trabalho foi se tornando eficaz e as organizações terroristas foram praticamente extintas, por volta de 1975.

    Todos os terroristas quando eram interrogados na Justiça alegavam que nada tinham feito e só haviam confessado os seus crimes por terem sido torturados. Tal alegação lhes valia a absolvição no Superior Tribunal Militar. Então, nós passamos a ser os " torturadores".

   Hoje, como participar de sequestros, de assaltos e de atos de terrorismo passou a contar pontos positivos para os seus currículos eles, posando de heróis, defensores da democracia, admitem ter participado das ações. Quase todos continuam dizendo que foram torturados e perseguidos politicamente. Com isso recebem indenizações milionárias e ocupam elevados cargos públicos. Nós continuamos a ser seus " torturadores" e somos os verdadeiros perseguidos políticos. As vítimas do terrorismo até hoje não foram indenizadas.

O Brasil com toda a sua população e com todo seu tamanho teve, até agora, 120 mortos identificados, que foram assassinados por terroristas, 43 eram civis que estavam em seus locais de trabalho ( estima-se que existam mais cerca de 80 que não foram identificados ); 34 policiais militares; 12 guardas de segurança; 8 militares do Exército; 3 agentes da Polícia Federal; 3 mateiros do Araguaia; 2 militares da Marinha; 2 militares da Aeronáutica; 1 major do Exército da Alemanha; 1 capitão do Exército dos Estados Unidos; 1 marinheiro da Marinha Real da Inglaterra.

  A mídia fala sempre em "anos de chumbo", luta sangrenta, noticiando inclusive que , só no cemitério de Perus, em São Paulo, existiriam milhares de ossadas de desaparecidos políticos. No entanto o Grupo Tortura Nunca Mais reclama um total de 284 mortos e desaparecidos que integravam as organizações terroristas. Portanto, o Brasil, com sua população e com todo o seu tamanho, teve na luta armada, que durou aproximadamente 10 anos,  ao todo 404 mortos.

   Na Argentina as mortes ultrapassaram 30.000 pessoas; no Chile foram mais de 4.000 e no Uruguai outras 3.000. A Colômbia, que resolveu não endurecer o seu regime democrático, luta até hoje contra o terrorismo. Ela já perdeu mais de 45.000 pessoas e tem 1/3 do seu território dominado pelas FARC.

  Os comunistas brasileiros são tão capazes quanto os seus irmãos latinos. Por que essa disparidade?

  Porque no Brasil dotamos o país de leis que permitiram atuar contra o terrorismo e também porque centralizamos nas Forças Armadas  o combate à luta armada. Fomos eficientes e isso tem que ser reconhecido. Com a nossa ação impedimos que milhares de pessoas morressem e que esta luta se prorrogasse como no Peru e na Colômbia.

  No entanto, algumas pessoas que jamais viram um terrorista, mesmo de longe, ou preso, que jamais arriscaram as suas vidas, nem as de suas famílias, criticam nosso trabalho. O mesmo grupo que só conheceu a luta armada  por documentos lidos em salas atapetadas e climatizadas afirma que a maneira como trabalhamos foi um erro,   pois a vitória  poderia ser alcançada de outras formas.

    Já se declarou, inclusive, que: " a ação militar naquele período não foi institucional. Alguns militares participaram, não as Forças Armadas. Foi uma ação paralela".

    Alguns também nos condenam afirmando que, como os chefes daquela época não estavam acostumados com esse tipo de guerra irregular, não possuíam nenhuma experiência. Assim, nossos chefes, no lugar de nos darem ordens, estavam aprendendo conosco, que estávamos envolvidos no combate. Segundo eles, nós nos aproveitávamos dessa situação para conduzir as ações do nosso modo e que, no afã da vitória, exorbitávamos .

    Mas as coisas não se passavam assim . Nós que fomos mandados para a frente de combate nos DOI, assim como os generais que nos chefiavam, também não tínhamos experiência nenhuma. Tudo o que os  DOI faziam ou deixavam de fazer era do conhecimento dos seus chefes. Os erros existiram,  devido à nossa inexperiência, mas os nossos chefes eram tão responsáveis como nós.

    Acontece que o nosso Exército há muito tempo não era empregado em ação. Estava desacostumado com a conduta do combate, onde as pessoas em operações têm que tomar decisões, e decisões rápidas, porque a vida de seus subordinados ou a vida de algum cidadão pode estar em perigo.

     Sempre procurei comandar liderando os meus subordinados. Comandei com firmeza e com humanidade, não deixando que excessos fossem cometidos. Procurei respeitar os direitos humanos, mas sempre respeitando, em primeiro lugar, os direitos humanos das vítimas e, depois, os dos bandidos.     Como escrevi em meu livro "Rompendo o Silêncio ", terrorismo não se combate com flores. A nossa maneira de agir mostrou que estávamos certos, porque evitou o sacrifício de milhares de vítimas, como aconteceu com os nossos vizinhos. Só quem estava lá, frente a frente com o terroristas, dia e noite, de arma na mão, pode nos julgar.

    Finalmente, quero lhes afirmar que a nossa luta foi para preservar a democracia. Se o regime implantado pela Contra -Revolução durou mais tempo do que se esperava, deve-se, principalmente, aos atos insanos dos terroristas. Creio que, em parte, esse longo período de exceção deveu-se ao fato de que era preciso manter a ordem no país.

    Se não tivéssemos vencido a luta armada, hoje estaríamos vivendo sob o tacão de um ditador vitalício como Fidel Castro e milhares de brasileiros teriam sido fuzilados no "paredón" ( em Miami em fevereiro, foi inaugurado por exilados cubanos, um Memorial para 30.000 vítimas da ditadura de Fidel Castro).

Hoje temos no poder muitas pessoas que combatemos e que lá chegaram pelo voto popular e esperamos que eles esqueçam os seus propósitos de 40 anos passados e preservem a  democracia pela qual tanto lutamos.

CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA

A revolta dos sargentos de 1963

Excelente o relato pessoal do General Nery, um exemplo de cumprimento de uma missão real em um ambiente politicamente sensível.

ANTECEDENTES DO 31 MAR DE 1964
REVOLTA DOS SARGENTOS DA MARINHA E DA FAB
BRASÍLIA 12 SETEMBRO DE 1963
do Tomo 10 - História Oral do Exército - 31 de Março – 1964.
RELATO DO ENTÃO TEN NERY - AGORA GENERAL NERY

"... Em 1963, saí da Companhia de Petrechos Pesados e assumi o comando da 1.a Companhia de Infantaria Pára-quedista,

Companhia de pronto emprego, do Regimento de Infantaria Pára-quedista.

Demos um nome à companhia – "Companhia Cobra". Essa Companhia deveria estar pronta para se deslocar em uma hora.

Um dia, às 5h da manhã, recebi ordem para desencadear o plano de chamada e preparar a Companhia para uma missão.

Pelo horário, teria sido mais fácil esperar a chegada dos soldados, às seis horas no quartel.

Às 7 horas, estava com a Companhia pronta, tudo pronto. O material ficava realmente enfardado.

O efetivo era em torno de duzentos homens. O Coronel me chama e ao seu Estado-Maior.

Entra o General Pinheiro –Comandante do Núcleo da Divisão Aeroterrestre, indagando:
"- Qual é a Companhia que vai cumprir a missão"?"
"- A 1.ª Companhia".
"- Quem é o Comandante?"
"- Tenente Nery".
"- Tenente, aqui!".

Fiquei em pé, ao lado dele. Ele abriu em cima daquela mesa grande, no cassino dos oficiais, local da reunião, a carta de Brasília.

Quando olhei, entendi o que já sabíamos durante a noite.

Tinha havido uma rebelião em Brasília, a Base Aérea fora tomada, alguns quartéis já estavam tomados, alguns oficiais presos e a cidade estavam na mão de uma rebelião.

Só não sabíamos a extensão do problema, naquele momento. Mas era sério.

O presidente, os ministros e as principais autoridades estavam
propositadamente fora de Brasília.

Na verdade, foi tudo planejado. Inclusive, deputados o daquele levante.

O General Pinheiro disse: "Tenente, não está acontecendo nada em Brasília.

Você vai levar a sua tropa, desembarca, vai desarmado.

Você vai fazer um desfile semelhante ao de Sete de Setembro, no Dia da Pátria, na alameda dos ministérios".

Sabíamos que não era aquilo. Acabáramos de ouvir na rádio – estávamos sempre atentos, ligados, tínhamos informações.

A realidade era outra. Brasília estava sublevada, era a rebelião dos sargentos, a maioria da Marinha e da Aeronáutica.

Obedeciam a um intelectualizado comando civil, não se restringiria apenas a Brasília e devia estender-se por todo o País.

Da chefia da rebelião, participavam os deputados Neiva Moreira, do PSP-MA, Hércules Correia, Marco Antonio, do PCB-GB e Max da Costa Santos, do PSB-GB, sob a liderança de Leonel de Moura
Brizola.

Pela ordem os revoltosos pretendiam:

depor o presidente da república; fechar o Congresso;

acabar, sumariamente, com o Supremo Tribunal Federal, classificado como órgão inútil e dispensável;

desvirtuar o regime e implantar uma República (ditadura) Socialista;

transformar totalmente as Forças Armadas.

Os prédios dos ministérios da Marinha e da Aeronáutica estavam ocupados e os revoltosos já estavam no terraço, na cobertura, no telhado dos pavilhões nos esperando.

Sabiam que a tropa pára-quedista ia saltar. Seríamos eliminados como pombos.

Íamos saltar e desfilar desarmados. Disse para o general:

"General, não é isso..." Não completei a frase! Quando ia começar a falar levei uma "botinada", por debaixo da mesa.

Eu estava em pé e os outros oficiais do Estado-Maior do Regimento, sentados.

O Oficial de Operações, Major Giácomo Jannuzzi Neto, me deu um pontapé. Eu entendi. Era para ficar calado.

Calei-me e ouvi a missão – desfilar desarmado.

Ao sair dali, fui falar com o Major Jannuzzi. Ele me disse:
"- Nery, é rebelião, se você for desarmado, você vai morrer, sua tropa vai ser eliminada. É guerra!

Eles ocuparam Brasília e já leram o manifesto de criação da república sindicalista comunista do Brasil".

Eu pergunto:
"- Como é que eu vou, Major?"
"- Vá armado, claro! Você vai para a guerra!"
"- Qual é a minha missão?"
"- Você vai saltar para libertar Brasília."
Saltar, para libertar Brasília das mãos dos revoltosos, ou seja,
conquistar Brasília. Essa foi a missão.
"- Onde estão os revoltosos?"
"- Ocupando os prédios dos ministérios militares. Já existem oficiais presos.

Você tem que libertá-los – descobrir onde eles estão e libertá-los".

Naquele momento, minha maior preocupação era armar a Companhia –duzentos
homens.

E a munição? Veio a informação que tinham trancado a munição.
O Oficial de Munições do Regimento, Tenente Eglair Barcelos Alves me disse:

"- Nery, vou me virar. Deixa comigo!"

E saiu, para conseguir a munição. Comecei a pegar o armamento, quando chegou uma parte da munição.

Tinha que "enfardar". Dei ordem para colocar a munição no carregador e levá-la também no cinto.

O grosso da munição seria acondicionado em um cunhete, com um pára-quedas em cima para ser lançado do avião.

Após o salto, você sai correndo para procurar a munição, pegá-la e levá-la com você.

Sabendo que precisava de muitos pára-quedas, mandei buscá-los.

Chegou a informação:
"- O Major encarregado dos pára-quedas fechou a baiúca" – como nós chamamos o local de acondicionamento dos mesmos –

"e não vai distribuir os pára-quedas para você, por ordem do General."

– o pára-quedas da munição!
Na hora, imediatamente, dei a ordem para que os cunhetes fossem abertos. Mandei distribuir a munição pelos bolsos.

Iríamos saltar com a munição dentro do bolso, em quantidade. Aí, surgiu um problema.

Soubemos que a rebelião era dos sargentos de Brasília, com o foco principal na Marinha e na Aeronáutica.

Em virtude dos acontecimentos de 1961, quando o General Santa Rosa, Comandante dos pára-quedistas, elogiou os sargentos por não terem cumprido ordem de seus superiores hierárquicos, e do Governador Brizola mandando os sargentos matarem seus oficiais, criou-se um ambiente de mal-estar dentro da tropa.

Aquilo foi sendo alimentado numa seqüência, agora essa rebelião em Brasília, era o dia 12 de setembro de 1963...

Apesar de preocupado, mandei distribuir a munição para os sargentos.

Não podia duvidar da lealdade dos sargentos. Paguei para ver.
Estávamos em pleno aprestamento, tínhamos que preparar a munição, preparar os fardos.

O subtenente, aquele homem mais antigo, aquele sargento que foi alçado à função de subtenente, o administrador da carga da Companhia, chegou para mim e disse:

"- Tenente, preciso falar com o senhor, aliás, todos os sargentos querem falar com o senhor."

Eu disse:
"- Bom, o que houve? Vou lá."

Eles estavam numa sala, reunidos. O subtenente iniciou:

"- Tenente, o senhor mandou distribuir a munição para todos nós, sargentos.

O senhor confia nos sargentos da Companhia?"
Chamei a atenção dele:
"- Em algum momento, desconfiei de vocês? Em algum momento, pensei isso?
Vocês viram isso aqui entre os oficiais e sargentos do Regimento Santos Dumont?

Não estou entendendo o que vocês estão falando!"
"- Tenente, a reunião é para agradecer a confiança. Conte conosco.

Em nenhum momento, o senhor deixará de contar com a nossa lealdade. Conte conosco".

Assim, fui para Brasília. Eram 14 aviões. Até aeronave em manutenção decolou.

Os antigos aviões C-82 voavam de porta aberta. Cruzando a serra de Petrópolis e Teresópolis, e seguindo para Brasília, fazia muito frio, eu sentado ao lado da porta olhando o vôo em formação, vi um avião pegar fogo – o avião do Tenente Maia Martins. Retornou para os Afonsos. Mais adiante, o avião do Valporto, também, pega fogo e pronto, o efetivo estava se reduzindo.

Depois, eles chegaram a Brasília – dois dias depois– não houve problema.

A nossa viagem foi longa. Foi aquilo que eu disse: dentro do avião, você olha para o soldado e ele está lhe olhando, você vai para lá e ele olha para lá, você vem para cá e ele olha para cá.

E eu me dei conta que eu tinha dado a ordem, antes de decolar:
"- Nós vamos saltar na alameda dos Ministérios. O suposto inimigo está ocupando os telhados dos quatro prédios e vai atirar em nós. Todos os oficiais e sargentos deverão tirar a arma do invólucro e durante a queda atirar em tudo o que se mover."

Eu, como comandante, tinha que dar uma ordem que protegesse a minha tropa e que permitisse o cumprimento da missão.

Sabia que, com duzentos homens, tinha que libertar Brasília.

O que é isso? A cabeça não funcionava. Qual a verdadeira dimensão disso. Brasília é muito grande.

Aonde eu iria procurar esse pessoal? A ordem estava dada.

Durante o vôo, fiquei pensando: vou chegar em Brasília às cinco horas da tarde, o expediente está terminando, os funcionários estão cruzando a alameda dos Ministérios.

São pessoas que vão estar se movimentando. Nós vamos atirar?

Muita gente vai morrer, muita gente inocente.

O mestre de salto, o comandante em cada avião, vai com o fone no ouvido, escutando os pilotos.

Eu ouvia a conversa dos pilotos. Não ia haver combustível para
prosseguir o vôo depois de Brasília. Eles diziam:
"- Nós vamos pousar em qualquer lugar". A situação era difícil e preocupava.

Confesso que, sozinho – não tinha ninguém para conversar, eu era o único oficial no meu avião, os outros tenentes estavam nas demais aeronaves – fiquei preocupado, muito preocupado.

Aí, me veio a história de um outro livro – o emprego dos
pára-quedistas belgas no Congo – quando houve um levante e muitos reféns, mais de 1.500 reféns.

A tropa pára-quedista foi empregada com sucesso – eles não saltaram em cima do objetivo.

Você, na sua introdução, falou na nossa EsAO, não foi?

A Escola, que aplica a doutrina no seu laboratório, que é o campo, associando tática e técnica com o tiro real, o mestrado do oficial, a última escola onde aprendemos e aplicamos a tática da Arma.

É errado, no planejamento pára-quedista, você traçar a sua zona de lançamento em cima do objetivo

– você não salta em cima do inimigo. Ah! Que felicidade! No avião, lembrei-me disso.

Então, me veio aquela sensação de satisfação – não devo saltar em frente aos ministérios –tenho que saltar longe.

Fazer como os pára-quedistas belgas: pegaram tudo o que andava, tudo o wue tivesse roda e foram correndo para o objetivo e libertaram os homens que estavam presos, seus patrícios.

Então, imaginei: vou saltar em outro lugar, assim nós vamos evitar atirar em tudo o que se mova.

Tudo que se mova seriam os funcionários terminando o expediente, saindo de Brasília.

Adquiri confiança e disse para o Comandante da aeronave – ele me avisaria vinte minutos antes, com um toque de sirene dentro do avião:
"Comandante, determine a entrada em formação cerrada – para as aeronaves se aproximarem – dê uma rasante em cima da alameda dos Ministérios. Depois, vou dar a
final para você".

Nós íamos saltar, eu tinha decidido saltar depois da alameda dos Ministérios, bem distante.

Preferia ir a pé, correndo, para o objetivo.

Quando ele cerrou, dez minutos antes de chegar em Brasília, o meu ala esquerda – eu via, a distância é curta – o meu ala esquerda estourou o motor e pegou fogo. Era, justamente, a
aeronave do Tenente Brandão. Pegou fogo no motor.

Aquilo foi imediato! Mudei a missão! Eu disse para o Comandante da aeronave:
"- Mande que siga direto para o aeroporto" - O aeroporto estava nas mãos dos revoltosos -

"Mande-o seguir direto para o aeroporto e vamos todos para lá, vamos desembarcar."
Salto de viatura em movimento – nós sabíamos fazer isso.

Quando a aeronave tocar no chão, nós saltamos sem pára-quedas, ou seja, salta e rola.

É claro que nós íamos ter baixas com isso, mas nós estávamos treinados.

Saltávamos de viatura em movimento até na Avenida Brasil. Nós fazíamos esse adestramento.

Ele falou:
"- O aeroporto está nas mãos dos revoltosos!"
Porém, eu sabia que um pelotão de Goiânia já estava se dirigindo para lá– uma Companhia de Goiânia –a comando do então Tenente Machado Borges, o mesmo que chegou a General.

Quando a primeira aeronave, que era a do Brandão, tocou na pista, ele comandou o salto.

Todo mundo pulou da aeronave – joga a arma e salta feito um fardo, feito uma roda.

Você encolhe todo o corpo e sai girando, pois machuca menos. Nós pousamos em seguida.

Mas houve uma ocorrência. Realmente, o aeroporto ainda estava nas mãos dos sargentos revoltosos.

Um deles, ao ver o avião pegando fogo no motor, comentou que aquele ali já está sendo destruído pelo fogo e que ele iria acabar com ele, jogando uma granada.

E correu na direção do avião para jogar a granada. Acontece que ele estava perto da cerca e parece que era o estacionamento dos táxis, no aeroporto de Brasília.

Os motoristas ouviram aquilo e pularam a cerca, começando a correr atrás dele!
Foi uma cena inusitada!
Os motoristas se abraçaram com aquele sargento que tinha uma granada na mão, enquanto ele gritava:
"- Vou soltar a granada!"
Quando o Brandão chegou, com alguns homens, a granada não tinha nem mais grampo.

Estava sendo presa pelo capacete, na mão, e o sargento já com medo de soltar a granada.

Após ser preso, ele confirmou que ia jogar a granada para destruir a aeronave, que sabia ser da tropa pára-quedista.

Neste ínterim, desembarcamos, corremos para frente do aeroporto e pegamos todas as viaturas, carros, caminhões e ônibus que apareceram por
ali.

Desloquei-me em comboio com a minha tropa – duzentos homens – chegamos na alameda dos Ministérios, do outro lado dos ministérios militares. Fiz o sinal para parar e logo a seguir o de avançar. Não falei mais nada.

Nós desembarcamos correndo, tomamos de assalto os ministérios, fomos do primeiro piso até o último e fizemos setecentos prisioneiros.
Todos estavam armados.

É preciso lembrar que ocorrera uma ação de um pelotão da Polícia do Exército (PE), na véspera.

Naquela noite, o Tenente era o Uchoa. Mas o que houve com ele?

Acontece que no momento do ataque dos sublevados ao Ministério da Aeronáutica, ele estava com o pelotão guarnecendo e resistiu ao ataque.

Foram disparados muitos tiros contra o pelotão dele. Que era composto de "catarinas", lembra?

Naquela época, a PE incorporava somente soldados do Sul do Brasil – os
"barrigas-verdes" catarinenses – os "catarinas".

Ele deu ordem de fogo porque tinha que impedir o ataque – era um ataque mesmo!

Nenhum soldado atirou! Nenhum soldado atirou!
Ele tomou o fuzil de um soldado e atrás de uma coluna gastou a
munição, rolou para outra coisa – todos os soldados estavam atrás das colunas do Ministério.

Ele foi de soldado em soldado e resistiu ao ataque sozinho, atirando, porque os soldados não o fizeram!

A Biblioteca do Exército tem um livro, de 1958, "Homens ou Fogo".

Eu li muito esse livro e se eu não me engano é do General Omar Bradley que fez um inquérito na Segunda Guerra Mundial sobre o porquê do homem não atirar, quando está em combate.
Após uma operação numa das ilhas do Pacífico, ele colocou dois ou três regimentos de "quarentena", vamos dizer assim, numa ilha do Pacífico e ouviu do comandante ao último soldado.

Onde você estava na hora do ataque? O que houve? Por que você não atirou? Etc.

E concluiu, dizendo o seguinte: "O fator psicológico". Ele tem uma referência interessante: o jovem, principalmente – é o
nosso caso que incorporamos recrutas – o jovem é criado para não maltratar até os animais.

É aquele negócio, não amarrem uma lata no rabo do gato, não maltratem o animal e de uma hora para outro, dos dezessete para os dezoito anos ele se apresenta no quartel e nós
vamos ensiná-lo a atirar para matar.

Disse isso, quando estava na Academia Militar das Agulhas Negras:
"- Nós estamos aqui para ensinar a vocês a matar, mas a matar em defesa da Pátria!"
O tenente Uchoa ficou abismado. Como é que o soldado dele não atirava?
Não houve jeito dele atirar!

No livro, Omar Bradley diz:
"- O maior índice de aproveitamento de tropas na Segunda Guerra Mundial foi com a tropa pára-quedista e de comandos."

Os pára-quedistas russos chegavam a ter 18 % dos que atiram, no máximo 20%.

Ou seja: de cada grupo de combate de infantaria só dois homens atiram quando se deparam com o inimigo, mesmo quando ele está correndo a dez metros de distância.

Um grupo de combate tem um sargento e um cabo.

Se, dos dez integrantes, dois atiram, somente o sargento e o cabo atiravam. Os soldados, não.

Os recrutas não atiram, é preciso muito treinamento. Uma prova foi o que ocorreu com o Tenente Uchoa.

Com a tropa pára-quedista, o rendimento é maior, mas chegamos ao último andar dos quatro prédios dos ministérios e
fizemos setecentos prisioneiros.
Quantos tiros nós demos? Nenhum. Prendemos a todos, depois de tomarmos de assalto o local.

Foram colocados num andar e ficamos no outro andar, embaixo.

Durante 45 dias, nós ficamos ali guarnecendo. Nós dormíamos no chão.

Eles dormiam no andar de cima, também, no chão, o mesmo espaço, as mesmas condições sanitárias

– nós estávamos no andar de baixo e eles sabiam que não podiam descer, eram sargentos.

Já à noite, reorganizei minha tropa. Veio uma informação rápida:  acabaram de entrar num bloco de apartamentos, em uma superquadra e cortaram os pulsos da esposa de um oficial, porque queriam prender o marido.

Ela foi salva pelos vizinhos. Cortaram os dois pulsos porque ela não dizia onde estava o marido.

Ela também não sabia. Ele tinha saído para ir ao quartel. Ela nem
sabia se ele já estava preso. Queriam o seu marido.

Era um oficial do Exército, um capitão, e cortaram os pulsos dela.

Fiquei com medo, porque aquilo poderia representar para a tropa uma eeação maior, a partir dali.

Graças a Deus não foi preciso.
Outra informação: na rodoviária de Brasília, a última passagem, a mais baixa, naquela época 1963, – a Rodoviária não estava concluída, ainda estava em obra – fora fechada pelos revoltosos.

Eles fecharam de um lado e do outro. Deixaram uma porta e escreveram no muro - Paredão -
e colocaram, em posição, um pelotão da tropa dos fuzileiros navais, com metralhadoras.

Iam começar o fuzilamento dos oficiais que já estavam presos.
Peguei um grupo e mandei ao comando do Tenente Valporto, para a Rodoviária.

Prendemos todo o pelotão, com as metralhadoras em posição, prontas para fuzilar os oficiais.

Essa foi a minha vivência em 1964 e antes de 1964, em 1963.

Prendemos o pelotão e abriu-se o inquérito. Nós até fizemos um
comentário, porque o inquérito foi feito na Marinha.

A maioria dos sublevados era da Marinha. Conversando com o encarregado do inquérito lhe disse:
"- Comandante, daqui a 15 dias vão estar todos de volta, como se nada tivesse ocorrido".

Esses presos foram trazidos de avião, por nós, para o Rio de Janeiro. Ficaram no navio-prisão.

Há um fato que gostaria de acrescentar.

Quatro ou cinco dias depois, chegou a Brasília um Batalhão do Regimento Santos Dumont.

Não trazia munição. O General não tinha deixado. Passaria a integrá-lo.

O negócio estava quente, porque, ainda, estávamos fazendo a limpeza de Brasília.

Informei ao Major que havia reunido toda a munição que trouxera, em uma sala no pavilhão do ministério.
"- Tem suficiente?" – Perguntou.
Eu respondi:
"- Tenho munição para um batalhão, por um ano!"

Na nossa corrida, com a proibição de sair armado, foi tanta gente levando munição, ao sairmos do Rio!

O Barcelos - Eglair Barcelos Alves, Oficial de munições... Lembro-me que, já com todas as aeronaves "taxiando", motor ligado,  ele chegou com a viatura e foi jogando os cunhetes pela porta dos
aviões. Os pilotos ficaram preocupadíssimos!
Tinha muita munição! O Batalhão cumpriu a sua missão e nós retornamos para o Rio.

O Comandante do Batalhão, Major Giácomo Jannuzzi Neto, chamou-me, aqui no Rio, depois da operação e me disse:
"- Nery, você vai fazer uma relação dos militares que vão receber condecoração, por bravura, nesta operação, você faz isso?"

"- Claro, indico os homens da minha Companhia que merecem a medalha!"
Chamei o meu sargenteante e pedi que ele me desse o mapa da força – o manifesto de vôo de lançamento dos pára-quedistas -  para que todos fossem incluídos, todos os militares que foram para
Brasília comigo, que tomaram Brasília de assalto e que tinham consciência de que libertaram Brasília.
Entreguei ao Major Jannuzzi, Comandante do Batalhão, a relação de toda a Companhia.

Ele disse: "- O que é isso? Eu pedi para você o nome daqueles que merecem..."

Eu lhe disse: "- Major, todos nós fizemos a mesma coisa. O que um fez, o outro fez também. Todos fomos além do dever!"

Palavras dele: "- Nery, só vou indicar você, porque condecorar
duzentos por ato de bravura vai desmoralizar a medalha".
Sendo assim, somente eu seria indicado.
"- Major, essa eu não vou receber. O senhor me desculpe – ou concede para todos ou não me mantenha na relação!"
E, realmente, foi isso que ocorreu. Aqueles que estavam em Brasília, foram condecorados.

Os Tenentes, Sargentos e Soldados pára-quedistas que, numa ação enérgica e eficaz, sufocaram um movimento revolucionário que pregava uma ampla indisciplina contra a hierarquia militar e contra a autoridade e a legitimidade do Poder Judiciário, representado pelo tribunal mais alto, que é o Supremo Tribunal Federal, não foram reconhecidos.

Essa era a situação vivida naquela época, que levou à eclosão da Revolução de 1964".

Entrevista concedida em 18 de dezembro de 2001, pelo Gen Durval Antunes Machado Pereira de Andrade Nery.

PS: Um planejamento só tem consistência se embasados em fatos do passado permitindo traçar novos cenários compatíveis com a conjuntura.

A história contada é verdadeira, não tendo sido citada as operaçõesdas tropas do EB sediadas em Brasília:
- a libertação da Base Aérea de Brasília (onde os Oficiais estavam presos no Cassino dos Oficiais) e a área Alfa (Marinha);
- o cerco e prisão, pela Cia PE, do Chefe da revolta, um Sgt da FAB,  embaixo da cama de uma casa na Quadra 48 da Av. W-3, armado com uma pistola .45 e uma Mtr; e
- a retomada pela Cia PE da torre de transmissão da Rádio-Patrulha à época e as retransmissoras.

Quem assina estas informações era o Oficial de Dia da PE na noite da rebelião  e que às 01 h da manhã através rede VHF de Cmdo, comunicou ao CMP/11ª
RM da rebelião, quando então foi determinada a apresentação dos militares aos Quartéis
em regime de prontidão.

A revolta só não foi acompanhada por alguns Sgt do EB porque o CMP, diante dos indícios, determinou que o expediente da quarta-feira fosse integral (naquele tempo não havia expediente à tarde nesse dia).

Naquela quarta foi votada a "Inelegibilidade dos Sgt" na Câmara Federal, evitando-se, assim, que comparecessem
ANTECEDENTES DO 31 MAR DE 1964
REVOLTA DOS SARGENTOS DA MARINHA E DA FAB
BRASÍLIA 12 SETEMBRO DE 1963
do Tomo 10 - História Oral do Exército - 31 de Março – 1964.
RELATO DO ENTÃO TEN NERY - AGORA GENERAL NERY



A história contada é verdadeira, não tendo sido citada as operações
das tropas do EB sediadas em Brasília:
- a libertação da Base Aérea de Brasília (onde os Oficiais estavam
presos no Cassino dos Oficiais) e a área Alfa (Marinha);
- o cerco e prisão, pela Cia PE, do Chefe da revolta, um Sgt da FAB,

em baixo da cama de uma casa na Quadra 48 da Av. W-3, armado com uma
Pistola .45 e uma Mtr; e
- a retomada pela Cia PE da torre de transmissão da Rádio-Patrulha à
época e as retransmissoras.

Quem assina estas informações era o Oficial de Dia da PE na noite da
rebelião

e que às 01 h da manhã através rede VHF de Cmdo, comunicou ao CMP/11ª
RM da rebelião,

quando então foi determinada a apresentação dos militares aos Quartéis
em regime de prontidão.

A revolta só não foi acompanhada por alguns Sgt do EB porque o CMP,
diante dos indícios,

determinou que o expediente da quarta-feira fosse integral (naquele
tempo não havia expediente à tarde nesse dia).

Naquela quarta foi votada a "Inelegibilidade dos Sgt" na Câmara
Federal, evitando-se, assim, que comparecessem e tivessem se juntado aos Sgt das outras Forças.

segunda-feira, 5 de março de 2018

Ciência não é prioridade no Brasil.

Transcrevo um interessante artigo publicado hoje no Globo e faço alguns comentários.

A ciência não é prioridade no Brasil. Aliás, nunca foi. Não foi nos governos militares, nem dos de Lula e Dilma e muito menos no de Temer. 


É claro que somos um país que tem que melhorar seus baixos índices de desenvolvimento humano, o que requer antes de tudo a geração de emprego e a melhoria da renda da população mais carente. 


Daí, que muitos pensam que é preciso arrumar o andar de baixo primeiro, melhorando as escolas e hospitais antes de investir em laboratórios ou na formação de cientistas.


Esse entendimento está errado. As providências não são sequenciais, mas simultâneas. 


Mas como fazer isso se os recursos são escassos?


Por exemplo, a Defesa também precisa aumentar o percentual de seus gastos em relação ao PIB. Como melhorar os índices de gastos em tantos setores diferentes do governo sem achacar ainda mais o contribuinte?


Bom, o investimento em Ciência e Tecnologia de produtos de defesa entra na rubrica de gastos de defesa e também dos gastos de ciência e tecnologia. É assim com a defesa, com a agricultura, saúde, etc. 


Os investimentos em ciência e tecnologia permeiam diferentes setores produtivos. 


Mas não basta investir apenas em equipamentos ou prédios novos. Uma organização obtém capacidade em diferentes aspectos, tais como organização, materiais, pessoal, educação, infraestrutura e treinamento.


Um melhor desempenho no ramo científico e tecnológico repercutirá favoravelmente na valorização dos nossos produtos, gerando mais recursos, mais renda e melhorando a qualidade dos empregos.



Eis a transcrição do artigo, que está disponível em


https://m.oglobo.globo.com/economia/sem-cientistas-de-ponta-brasil-fica-fora-de-cadeias-globais-22454291


Ciência não é prioridade no Brasil. Reflexo disso é a baixa formação de cientistas, principalmente de ponta. Formamos poucos em Matemática, Engenharia, Física e Química. Temos 2,8 engenheiros formados por ano para cada dez mil brasileiros, menos que no México, que tem oito profissionais para o mesmo número de habitantes. Só 6% dos formados no Brasil são engenheiros.

Especialistas alertam que isso inibe a inovação quando o mundo desenvolvido investe em inteligência artificial, e a indústria vive a revolução 4.0. Segundo Marcia Cristina Barbosa, professora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, o maior gargalo é na pesquisa fina, como em microeletrônica:

— O doutorado na UFRGS formou 44 pessoas desde 2011.

O Brasil investiu 1,28% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento em 2015, cerca de R$ 76 bilhões. A comunidade científica almeja 2% do PIB, percentual de países desenvolvidos. Nos EUA, são destinados 2,5%; na China, também. Israel investe 4% do PIB. Economistas alegam que a baixa formação reflete a pouca demanda por profissionais especializados. Como o Brasil é um dos mais fechados do mundo — entre mais de 160 países, estamos na penúltima posição em abertura comercial, melhor apenas que o Sudão —, expõe-se pouco as empresas à competição.

— Se a empresa tem mercado cativo e não precisa inovar, para que fazer? Inovação custa caro e é arriscada — afirma o economista Maurício Canêdo, da Fundação Getulio Vargas.

Falta de incentivo, cultura dominante de que pesquisa é papel do Estado e burocracia para firmar parcerias entre universidades e setor privado impedem a especialização de ganhar espaço, dizem especialistas. Formamos, por exemplo, apenas 180 doutores em Matemática por ano:

— Formamos pouco para as necessidades do Brasil. Os EUA formam dez vezes mais; a França, três vezes mais; e o Brasil não é um país tão menor. Temos um volume pequeno de investimento, comparado ao potencial do país. A pesquisa fundamental é missão do Estado e sempre será. Mas, na fase mais avançada, quando a ideia começa a ser implementada como procedimento, um algoritmo, é interesse das empresas investir para poderem dirigir esses processos. O setor produtivo está habituado com a ideia de que o Estado vai prover tudo, o que é um erro — afirma Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).

SELEÇÃO INCLUI ESTRANGEIROS

Ele também vê pouco investimento empresarial em formação. Clara Macedo Lage é doutoranda de Matemática, vinculada ao Impa. Estuda na Sorbonne, em Paris, com bolsa de uma empresa de energia, que pode deduzir dos impostos os recursos aplicados na formação. Uma espécie de Lei Rouanet da ciência:

— Essa empresa trabalha com dados que mudam em função de aspectos climáticos, como vento e chuva. Há algum padrão, mas varia muito, o que causa certa instabilidade nos cálculos. Tento entender como funciona o padrão para melhorar a estabilidade dos cálculos — explica Clara, que acha importante esse intercâmbio internacional para aumentar o contato com equipes de pesquisa de fora do Brasil. — Tenho visto colegas vindo para o exterior, após os cortes nos orçamentos de pesquisa.

Em Engenharia, outro gargalo. São formados 50 mil profissionais por ano.

— Formamos poucos engenheiros, físicos, matemáticos, em comparação com a maioria dos países, em qualquer tipo de indicador — diz Fernanda de Negri, do Ipea e pesquisadora visitante no MIT e em Harvard.

Para ela, a falta de doutores se desenha na educação básica, quando não há incentivo para matemática e ciências:

— No entanto, se houver mais engenheiros, vamos cair em um segundo problema: não há lugar para eles no Brasil. As empresas não contratam, o mercado fica restrito às universidades.

Leandro Barbosa é doutor em Zoologia, especializado no estudo de insetos. Tem pós-doutorado, mas não está em qualquer projeto de pesquisa. Dá aulas para o oitavo ano no Ciep Operário Vicente Mariano, no Complexo da Maré. Chegou a fazer artesanato em papel machê (a família é de artesãos) para complementar a renda na época do doutorado:

— No setor privado, há emprego em consultorias, o que não é vantajoso. Mas acho importante que professores do ensino básico tenham doutorado. Aumenta a produtividade e seria um grande avanço para a sociedade.

Fernanda atribui o baixo investimento das empresas à pouca competição externa, às barreiras alfandegárias, à regulação ruim e aos juros altos:

— A indústria está diminuindo há anos com a economia fechada. Tem que estabelecer um cronograma para reduzir as tarifas, com mudanças tributárias que aumentem a competitividade.

O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (Cnpem) reúne laboratórios de ponta em Campinas: o Nacional de Luz Síncroton (onde está o acelerador de partículas Sirius), o de biociências, o de bioetanol e o de nanotecnologia. O diretor do Síncroton, José Roque, conta que as seleções incluem muitos pesquisadores de outros países:

— Nossa seleção é internacional. Dos 35 pesquisadores, 11 são estrangeiros no laboratório.

Já o centro tem 98 doutores, 18 estrangeiros. Para o cientista, falta pesquisa privada em semicondutores e microeletrônica:

— Só montamos os celulares, não estamos desenvolvendo os chips eletrônicos. Por isso, há dificuldade de encontrar pessoal especializado. Optamos por contratar recém-doutores ou estagiários e treinar internamente.

O professor Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, diz que há 700 doutores para cada milhão no Brasil, um décimo do registrado em países nórdicos:

— Mesmo com o avanço de 250% entre 2002 e 2016, o número é baixo. São 140 mil. Na Coreia do Sul, são 5 mil por milhão. Forma-se mais em Direito, Comunicação, Ciências Sociais e Letras aqui do que em Engenharia.

Para o professor Sérgio Queiroz, do Instituto de Geociência da Unicamp, a estrutura industrial brasileira é pouco intensiva em tecnologia:

— Quem gasta em pesquisa são os setores farmacêutico e eletrônico, ramos com participação pequena e que não estão no estágio de investir pesadamente em pesquisa.

Entre bolsistas de produtividade do CNPq, há 1.854 engenheiros.

— Não dá para desenvolver o país com esse número de pesquisadores — diz Adriana Tonini, diretora do CNPq.

Renato Pedrosa, do Laboratório de Estudos em Educação Superior da Unicamp, diz que não vale à pena para as empresas investir em inovação:

— O Brasil está fora de toda manufatura de quarta geração. Num ambiente adverso de negócio e protecionismo, é melhor ter um bom departamento tributário, obtendo vantagens fiscais.

Gianna Sagazio, diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que as empresas não conseguem inovar sozinhas.

— Inovação tem que ser prioridade no país, trabalhando em várias frentes, educação, ambiente de negócios. Não é que somos um país fechado, mas, se não tivermos inovação, vamos vender para quem?