PROFISSÃO: POLÍTICO
A profissionalização gera crescentes riscos para o exercício dos mandatos
*Rubens Barbosa, O Estado de S.Paulo (Opinião)
25 Julho 2017
O episódio lamentável da ocupação da Mesa Diretora do Senado – que serviu até de mesa de almoço – por senadoras que se opunham à aprovação da reforma trabalhista, contra todos os princípios de comportamento parlamentar, levou-me a reflexão sobre a atuação dos políticos na sociedade brasileira. Certamente, as nobres senadoras desconhecem uma das regras básicas na política, recomendada pelo cardeal Mazarino, homem público contemporâneo de Luís XIV, em seu Breviário dos Políticos, segundo a qual “é perigoso ser muito duro nas ações políticas”. A arte da política, como ensinou Maquiavel, consiste em organizar e superar as divergências entre partidos e pessoas, sem o que reinarão o conflito e a anarquia.
Max Weber, sociólogo alemão, assinalou que os políticos vivem “de” e “para” a política e que ela é não só uma vocação, mas também uma profissão. Uma vez entrando na política, são raros os que dela se afastam. Essa situação não existia na democracia ateniense. A regra era o sorteio, e não a eleição dos cidadãos, havia uma rotação de funções e as responsabilidades passavam de um cidadão para outro. Em alguns países essa situação ainda existe. Na Suécia, por exemplo, a renovação é de 40% e muitos dos que entram para a política depois retornam a suas atividades privadas.
Voltando para a nossa triste realidade, não surpreende que nas pesquisas de opinião pública aqui realizadas nos últimos anos seja justamente a classe política o grupo menos considerado pela sociedade. Há uma crise de representatividade. O grito das ruas é eloquente: “Eles não me representam”.
Como explicar o comportamento anárquico, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, durante as discussões e votações de matérias de grande interesse para cada cidadão e para o País, por serem reformas modernizadoras que vão permitir ao Brasil acompanhar as tendências num mundo em fase de grandes mudanças?
A política no Brasil virou profissão no mau sentido. Na França o novo presidente, Emmanuel Macron, classificou a política como um “negócio de profissionais convictos”. Pelo que estamos vendo nos fatos apurados na Operação Lava Jato, a palavra negócio ganha uma atualidade impressionante.
No Brasil, é difícil reconhecer na maioria dos políticos as três qualidades do homem público lembradas por Max Weber: paixão, no sentido próprio de realizar; sentimento de responsabilidade, cuja ausência os leva a só gozar o poder pelo poder, sem nenhum propósito positivo; e senso de proporção, a qualidade psicológica fundamental do político.
A profissionalização da política causa crescentes riscos ao exercício de mandatos, seja no Executivo, seja no Legislativo. A defesa das prioridades partidárias e de seus próprios interesses leva os políticos em geral a atuar deixando de lado o interesse nacional e o bem comum. De forma crescente, os interesses corporativos passam a dominar os objetivos da classe política, como temos podido observar nos últimos tempos. Além disso, com o crescimento da economia o Brasil mudou de escala e as oportunidades de negócios se tornaram muito atraentes, como vimos nos escândalos da Petrobras. Regras instáveis para as eleições, para o financiamento das campanhas, para a criação e o funcionamento dos partidos, entre outros aspectos, levam à confusão entre o público e o privado e à defesa de interesses pouco republicanos. Aumenta o fosso entre o governante e o governado, cai o nível cultural e instala-se a corrupção.
Como justificar a permanência na vida política por tanto tempo? Muitos apontam para a complexidade das matérias em pauta e a necessidade de conhecimentos jurídicos, econômicos e outros que facilitariam a discussão de temas especializados.
Historicamente, a política iniciou-se como uma atividade reservada à chamada elite rural e urbana e houve momentos em que só participavam dela os alfabetizados e os que tinham certo nível de renda. A democratização da vida política foi muito positiva, mas provocou distorções que hoje afastam muitas vocações da militância partidária e abre espaço para políticos que roubam para o partido, como assinalou o juiz Sergio Moro. Há um apego aos mandatos porque a profissão política oferece vantagem material e retribuição simbólica (sem falar narcisista) de grandeza, autoestima, capacidade de sedução e do “sabe com quem está falando”... O índice de renovação nas eleições proporcionais para o Congresso é muito baixo, embora esteja crescendo (43% no último pleito). A longa presença dos políticos na vida pública, com sucessivos mandatos (há mais de 15 deputados com mais de seis mandatos e alguns com mais de 30 anos na Câmara), torna-se regra, agora ampliada pela eleição de membros da mesma família (mulheres, filhos e outros parentes).
A França, depois a última eleição presidencial, está discutindo reformas institucionais que merecem ser acompanhadas pelos que se interessam pelo aperfeiçoamento dos costumes políticos. Macron propôs na campanha ampla reforma institucional. Eleito chefe de Estado, propôs algumas medidas visando a reduzir a acumulação de cargos: os parlamentares não podem exercer mandato nas Casas do Congresso e ao mesmo tempo ser nomeados para cargos no Executivo. Em discurso perante os parlamentares, ousou propor a redução do número de deputados e senadores em um terço e a reeleição a, no máximo, três mandatos. Se os políticos não aprovarem essas medidas, anunciou que vai convocar referendo para que o povo decida.
Eis uma agenda política que, se aplicada no Brasil, mudaria o cenário nacional e melhoraria a percepção dos eleitores quanto à representatividade e à importância da renovação política. Procura-se candidato, com coragem, para enfrentar esse desafio na eleição de 2018.
*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior
terça-feira, 25 de julho de 2017
sábado, 1 de julho de 2017
Nelson, o grande Nelson
Nelson Rodrigues é o grande gênio brasileiro do século XX. Controverso, polêmico? Só para quem não gosta dele. Para mim, não tem discussão: Nelson Rodrigues é mais do que qualquer outro, mesmo aqueles que vestiram o fardão da Academia Brasileira de Letras, aquele que ele nunca vestiu, por puro despeito dos comunas que não perdoam os que se atrevem a não seguir sua cartilha.
Eu lia religiosamente a sua coluna de esportes. Nem sei bem se era do Globo ou do JB, lá em casa líamos os dois, mas corria ávido pelo seu texto, buscando-o com de tudo mais na cobiçada seção de esportes, aquela que fazia a contracapa do bloco principal do jornal.
Meu pai resignava-se. O jornal chegava às suas mãos apenas depois que eu tivesse saboreado primeiro a coluna do Nelson e depois as notícias do Mengão e, por fim, o obituário (não, não se espantem, eu consultava o obituário todo santo dia).
A história de qualquer domingo de Fla x Flu começava dez mil anos antes, quando Deus nem criara o mundo direito e já definia quem marcaria os gols e quem seriam os gênios da partida daquela tarde.
Eu tinha uns dez anos de idade, mas já sabia quem eram meus ídolos para toda vida: o Zico e o Nelson Rodrigues, sim, os dois, nessa exata ordem, porque para mim a paixão pelo Flamengo vem antes do amor pela leitura.
Não me arrependo de gostar mais do gênio dos gramados do que do gênio dos gênios. Sei que Nelson aprovaria isso, afinal ele sabia que Deus já havia escrito desse jeito, dez mil anos atrás.
Eu lia religiosamente a sua coluna de esportes. Nem sei bem se era do Globo ou do JB, lá em casa líamos os dois, mas corria ávido pelo seu texto, buscando-o com de tudo mais na cobiçada seção de esportes, aquela que fazia a contracapa do bloco principal do jornal.
Meu pai resignava-se. O jornal chegava às suas mãos apenas depois que eu tivesse saboreado primeiro a coluna do Nelson e depois as notícias do Mengão e, por fim, o obituário (não, não se espantem, eu consultava o obituário todo santo dia).
A história de qualquer domingo de Fla x Flu começava dez mil anos antes, quando Deus nem criara o mundo direito e já definia quem marcaria os gols e quem seriam os gênios da partida daquela tarde.
Eu tinha uns dez anos de idade, mas já sabia quem eram meus ídolos para toda vida: o Zico e o Nelson Rodrigues, sim, os dois, nessa exata ordem, porque para mim a paixão pelo Flamengo vem antes do amor pela leitura.
Não me arrependo de gostar mais do gênio dos gramados do que do gênio dos gênios. Sei que Nelson aprovaria isso, afinal ele sabia que Deus já havia escrito desse jeito, dez mil anos atrás.