terça-feira, 22 de novembro de 2016

Prisão do Garotinho - Nêumane

JOSÉ NÊUMANNE PINTO

O Rio de Janeiro contina sendo… e o Brasil também

Ministra do TSE leal a Dilma consagra jurisprudência piada do direito de espernear

11

José Nêumanne

21 Novembro 2016 | 18h59

Garotinho exerce direito de espernear, garantido por ministra do TSE

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral começou na política como deputado estadual, implacável perseguidor de corruptos e corruptores. Perseguido pelos desiludidos de 2013, que invadiram a calçada de seu refúgio no Leblon, renunciou em 2014, não se candidatou a nenhum mandato público e terminou perdendo sua prerrogativa de foro. Alcançado pelos afiadas garras da Lava Jato, foi preso sob a acusação de ter surrupiado dos cofres públicos R$ 224 milhões. Uma fortuna, hein?

Os investigadores da Operação Calicute, cidade da Índia onde outro Cabral, Pedro Álvares, descobridor do Brasil, conheceu a derrota e teve iniciada a decadência, acreditam que ele operou um “banco paralelo” à sombra de uma empresa transportadora de valores para receber, guardar e distribuir dinheiro vivo para a mulher, Adriana Ancelmo, e a mãe, Magali. E mais uma penca de gatunos amestrados, todos mimoseados com joias, cargos públicos e porcentagens em obras contratadas pelo Estado e outras benesses. Descoberto, localizado e preso, foi fichado e trancafiado numa cela em Bangu. Ainda assim, goza de privilégio inestimável: seus cinco companheiros de cela não são bandidos comuns, que poderiam machucá-lo, mas cúmplices de suas aventuras folgazãs e de suas atuais desventuras.

A forma como lavou dinheiro sujo se assemelha ao dito Departamento de Operações Estruturadas de sua parceira Odebrecht, um sofisticado data center na Suíça. E também reproduz a tecnologia de entesouramento e investimento de uma prática ancestral no Estado que governou. Os bicheiros de antigamente, praticantes do “vale o escrito”, também driblavam os controles fiscais, abrigados sob a definição penal da contravenção, ou seja, quase crime. E frequentavam a fina flor da high society carioca nos melhores salões e, sobretudo, no Sambódromo, dirigindo escolas de samba, coloridas e cultuadas lavanderias de valores. Agora como dantes no quartel de Abrantes, apontadores da loteria popular de Saenz Peña, nome de praça na cidade ex-Maravilhosa, continuam entregando o “prêmio do delegado” e convivendo com crocodilos em piscinas. O furto político era até pouco menos arriscado, mas deixou de ser.

Anthony Garotinho, ex-governador lançado na política pelo socialista moreno Leonel Brizola e guia de Cabral em sua ascensão aos cargos de mando no Estado mais charmoso do País, foi pilhado em delito mais antigo do que os pontos de bicho e as bocas de fumo de antanho. Comprar votos foi a forma que a elite dirigente nacional encontrou para compensar a extinção da eleição de bico de pena da Primeira República dos coronéis da guarda nacional. Ao soba de Campos dos Goytacazes repugna a mania de ostentação de seu antigo discípulo. Distribuindo “chequinhos” a necessitados, garantiu a permanência do clã na prefeitura municipal local, a eleição de 11 vereadores e o ingresso de Clarissa, amada filhota dele e da prefeita Rosinha, na Câmara dos Deputados. Obediente ao conselho paterno de ajudar a ex-presidente Dilma Rousseff a ficar no cargo máximo, ela alegou resguardo de maternidade recente para não votar pela abertura do processo de impeachment da madama pela Câmara e seu envio ao Senado. A filha obediente pagou pelo desrespeito ao fechamento de questão do PR, legenda pela qual se elegeu, não sendo expulsa pela ausência, que valeu como voto contra o impeachment da deposta, vulgo Janete, mas, sim, porque ela voltou a contrariar o PR de Waldemar Costa Neto votando contra a PEC do teto dos gastos públicos. A vida, decerto, não lhe ensinou que só se pode gastar o que se ganha.

Como na República de Pilatos dos velhos tempos, “uma mão lava a outra” e a mesma água de enxaguar propinas evitou a sofrência de “meu pai não é bandido”, por ela berrado à porta do Hospital Souza Aguiar, no complexo presidiário povoado por feras enlouquecidas de vingança. Afinal, quando Rosinha foi governadora, ele não chegou a ser secretário de Segurança Pública? Como aquele agente funerário que foi chamado para maquiar o filho de dom Corleone no Poderoso Chefão, haveria alguém a quem pedir socorro. Ocorreu-lhe, então, instruir seus advogados Jonas Lopes de Carvalho Neto e Fernando Fernandes a procurarem a mais jovem ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a qual já mantivera contato, Luciana Lóssio. Nomeada pela presidenta afinal deposta, ela poderia evitar humilhação similar à do ex-afilhado e ora desafeto Cabral. As fotos tiradas à entrada deste no presídio para a ficha criminal foram exibidas nos meios de comunicação com estardalhaço idêntico ao dispensado àqueles flagrantes da festa dos guardanapos na cabeça em restaurante de alto luxo em Paris, que Garotinho divulgou em seu blog.

A pressurosa ministra não permitiu que o pai da compreensiva parlamentar passasse sequer uma noite na companhia cruel de antigos desafetos, mais perigosos do que os cinco grã-finos e o colega ex-governador. Dra. Lóssio fora antes advogada de Roseana Sarney, quando esta, derrotada nas urnas pelo adversário Jackson Lago, retomou o posto de governadora do Maranhão, direito do clã inaugurado pelo pai ainda no tempo em que a lei eleitoral dava ao vencido na eleição o cargo que o adversário o houvesse derrotado de maneira ilícita.

Militante petista investida em mandato inviolável, a caridosa magistrada pouco se importou com a divulgação das instruções do réu em questão a seus causídicos, como divulgada fora simultaneamente a investigação aberta pelo Ministério Público Eleitoral sobre denúncia de tentativa de suborno do juiz pelo acusado. O cargo da jovem senhora é vitalício e conta com a proteção automática dos pares. O nobre colegiado apressou-se a soltar uma nota garantindo que todos os seus ministros têm “idoneidade moral” e que as decisões refletem “profundo embasamento teórico”, antes mesmo que qualquer desavisado duvidasse publicamente desses atributos.

Antes de ser solto pela decisão da misericordiosa ministra amiga, o ex-governador protagonizou esperneio registrado por câmeras, ao som da gritaria histérica da mulher e da filha captada por microfones dos meios de comunicação. Piedosos garantistas de quatro costados reclamaram da humilhação imposta ao insigne acusado. Esqueceram-se de que o episódio motivou decisão histórica da jurisconsulta Lóssio. Graças a sua canetada, a piada do “jus sperniandi” (em latim vulgar, direito de espernear) tornou-se jurisprudência na Justiça Eleitoral tupiniquim.

A cena inusitada, a decisão piedosa e o flagrante pornográfico do investimento imobiliário do secretário de governo de Temer (ex-vice da presidenta deposta), ferindo o decoro da paisagem de Salvador, sob a omissão licenciosa do temeroso chefão, ampliam o alcance de constatação de Gilberto Gil. Este outro baiano cantou: “O Rio de Janeiro continua sendo”.

Pelo visto, o Brasil também reproduz a constatação final de George Orwell em A Revolução dos Bichos: “Todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros”. Quem quer um exemplo? A Comissão de Ética Pública da Presidência começou a votar a decidisão se abrirá, ou não, inquérito contra Geddel Vieira Lima, o excelentíssimo padroeiro do espigão: cinco dos sete votos foram a favor e o sexto, José Saraiva, pediu vista para impedir o vexame. Ganhará um docinho de caju de dona Carminha Dantas quem adivinhar quem o indicou para a oportuna sinecura. Pois foi mesmo o fiel escudeiro de Temer – um que é apelidado de Boca de Jacaré nas proximidades da Terreiro de Jesus. Deus nos acolha e guarde, irmãos sem opa, abandonados neste bordel em cuja parede um quadro de Cristo a tudo assiste e nada fala nem faz para impor a ordem.

*Jornalista, poeta e escritor

11 Comentários

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HELIO FROTA 13 horas atrás

Temer segue o mesmo caminho de sua predecessora...

Aparentemente sua derrocada será mais breve e sumária do que se espera.

Pois desde que assumiu, parece, trabalhar arduamente para tal...

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CESAR M. 21 horas atrás

Este texto é sobre um fato ocorrido na Venezuela? Estamos ridículos. Perdeu se o bom senso.

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DANIEL FREITAS MORAES 23 horas atrás

Terra brasilis....Onde certo é o errado e o errado, o certo...

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ABREU PALMA CLAUDIO 23 horas atrás

O maior problema é juiz proteger ladrão,, como disse o caipira tamô na roça!!!

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CARLOS DELPHIM NOGUEIRA DA GAMA NETO 2 dias atrás

Uma crônica, para ninguém sério botar qualquer reparo.

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JOSÉ NÊUMANNE PINTO

A testemunha ostentação

Cabral negou tudo à PF, mas exibição de luxo e riqueza termina depondo contra ele

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José Nêumanne

22 Novembro 2016 | 12h35

Cabral e patota adoravam festas caras

Sérgio Cabral se disse indignado e negou todas as acusações que lhe estão sendo feitas na Operação Calicute, que investiga o uso de R$ 224 milhões em propinas pagas por empreiteiras a um esquema do qual ele é acusado de ser o chefão. Este é um direito que lhe é assegurado no Estado Democrático de Direito, o de não produzir provas contra si mesmo. A principal testemunha contra ele, contudo, além dos delatores premiados, é a ostentação com que ele, a mulher e seus parceiros dissiparam essa dinheirama toda em ostentação. A simples exibição de suas propriedades e seus gastos pessoais sem explicações razoáveis o torna um companheiro inevitável de desventura de seu padrinho Lula.

(Comentário no Estadão no Ar 2 da Rádio Estadão – FM 92,9 – na terça-feira 22 de novembro de 2016, às 9h10m)

Para ouvir clique aqui e, aberto o site da emissora, 2 vezes no play sob o anúncio em azul

 

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11 Comentários

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HELIO RIBEIRO 1 hora atrás

Devagar com o andor, que o santo é de barro. Tudo o que se vê do Cabral, na verdade é emprestado de amigos. Ele nada tem.

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Imigrante ilegal, de Mário Vitor Rodrigues


Como é ser imigrante “ilegal”? Texto de Mario Vitor Rodrigues

gustavochacra

22 Novembro 2016 | 16h07

Há cerca de 11 milhões de imigrantes sem documentos nos Estados Unidos, incluindo centenas de milhares de brasileiros. A imensa maioria deles veio para cá em busca de uma vida melhor. Lógico, pretendiam vir legalmente, mas isso é quase impossível (vá ao consulado dos EUA hoje e diga que pretende imigrar “legalmente” aos EUA e faça o teste). Donald Trump, na campanha, disse que deportaria todos eles. Como presidente, afirma que deportará 3 milhões. É uma postura totalmente diferente da de outro republicano, Ronald Reagan, que anistiou os imigrantes sem documentos. Afinal, a economia americana precisa deles. E são seres humanos como a gente. O escritor Mario Vitor Rodrigues trabalhou por um período como imigrante em Nova York. Abaixo, ele fez uma crônica de como foi a experiência. Talvez ajude a entender melhor a vida dos imigrantes nos EUA

   Muita calma nessa hora

Logo de início, jamais alimentei dúvidas sobre a origem do sujeito. A tez clara, quiçá tão clara quanto a minha, era insuficiente para despistar seus olhos rasgados e o cabelo bem liso. Tampouco o bigode fino. Chamava-se Hector e não era difícil encontrá-lo dentro de qualquer ônibus na Astoria Boulevard, caso este seguisse em direção aos confins de Jackson Heights.

Sei do que estou falando, trabalhei ao seu lado durante quase todo o ano de 1997, em uma churrascaria vizinha ao Complexo de Flushing, no Queens.

Antes de conseguir uma posição de ajudante de garçom na Green Field Steakhouse, cheguei a fazer um pouco de tudo no salão de um grande restaurante italiano, oito mesas em Tribeca. Conclui à época que, dependendo da função e do horário, o ritmo dos funcionários em um restaurante pequeno poderia beirar o entediante. Eu era feliz e não sabia.

Na churrascaria, propagandeada como brasileira, embora fosse propriedade de coreanos, o salão era enorme, vazio, e em horário de pico parecia infinito. Quanto ao almoço de domingo, prefiro não entrar em detalhes.

Como ajudantes, nossa tarefa consistia em preparar as mesas, servir uma cesta de pães, repor as jarras d’água e auxiliar o garçom da seção no que ele precisasse. Por isso, assumíamos nossas funções antes de a casa abrir, dobrando um por um precisamente quinhentos guardanapos de cor lilás. O ato em si não era muito complicado, de início parecia divertido, mas, devo admitir, até hoje sou incapaz de entrar em um restaurante sem reparar nos mínimos detalhes.

Ao final da jornada, como podem imaginar, exaustos e besuntados de gordura, uns aos outros nos acotovelávamos para a única refeição do dia. Não que deixássemos de beliscar durante o serviço corações de galinha, linguiças e pedaços de cupim intocados e prestes a serem descartados. Com sorte até um naco de alcatra. Mas a refeição completa e o clima de camaradagem, na prática o único momento do dia em que podíamos trocar algumas palavras sem a pressão do batente, esta era sagrada.

Lembro-me de Hector com nitidez porque foi o único minimamente próximo durante toda a minha temporada como ajudante de garçom. E pelas incontáveis vezes em que, sem ganhar nada com isso, me salvou de umas boas trapalhadas.

Lembro-me dele também pelo tom que permeia o debate sobre os imigrantes mundo afora. Especificamente no caso dos EUA, o discurso ganha contornos ainda mais graves, de um revisionismo capaz de colocar em xeque a própria identidade americana.

Ainda não é possível cravar como serão conduzidas as políticas de imigração sob a batuta de Donald Trump. Espero, sinceramente, que muitos de seus arroubos durante a campanha não tenham passado disso, de bravatas engendradas por um candidato sem escrúpulos quando se trata de uma eleição. Exatamente como umas por aí que fizeram o diabo e não terminaram bem.

Mas a verdade é que o estrago já está feito.

Digo, ao instaurar e manipular o medo do diferente por lá, ora falando em terrorismo, ora usando a cartada do desemprego, inadvertidamente Trump conseguiu fazer um strike por aqui. Incendiou um sentimento antiesquerda, em defesa das minorias, que, de tão ferrenho, extrapolou nossas fronteiras.

Se compreendo tal ânsia? Muito. E não só compreendo como também me identifico com ela. Não suporto mais ouvir a retórica populista que só serviu para entorpecer e em seguida assaltar o brasileiro. Trata-se de uma conversa mole, aliás, que ainda levará muito tempo para ser esgarçada pela nossa sociedade.

Dito isto, não há trauma que justifique falta de humanidade ou embace nosso próprio reflexo.

De fato, Trump pode até sacudir a questão imigratória. E seria no mínimo curioso imaginar um país como os Estados Unidos sem o trabalho ilegal, milhões de americanos puros assumindo o lugar de Hector. Mas deveríamos, acima de tudo, nutrir compaixão por aqueles que apenas tentam sobreviver em uma sociedade estranha, avessa a sua presença, para tentar proporcionar aos seus uma vida impossível em seu país de origem.

No fim das contas, se o revanchismo é compreensível, o rancor pela própria imagem é inaceitável.

 

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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

REINALDO AZEVEDO - Calma, que o “laranja” pode ser doce

Nota do blogueiro: 
Também acho que uma coisa é o Trump candidato e outra, bem diferente, é o cara que terá a responsabilidade de tocar a presidência do maior país do mundo. 

O grande derrotado das eleições foi o establishment norte-americano. Diga-se de passagem que a grande mídia se engajou diretamente na campanha contra Trump. 

Sorry, friends, mas os vencedores dessa eleição são os insatisfeitos com os rumos impostos pela esquerda. 

É o mesmíssimo fenômeno do Brexit, que a imprensa vem rotulando, muito erradamente, como extrema direita. 


Calma, que o “laranja” pode ser doce… Trump já começou a se desmentir no discurso da vitória

Sabem o que vai acontecer de formidável? Nada! Os primeiros a se decepcionar com o presidente eleito dos EUA serão seus eleitores

Por: Reinaldo Azevedo  09/11/2016 às 16:13

Donald Trump é o presidente eleito dos EUA. E agora? Agora é acatar o resultado e esperar para ver o falcão virar uma pomba.

Os primeiros a se decepcionar com ele serão seus eleitores mais radicais, aqueles que realmente querem que ele levante um muro na divisa com o México, que esperam ver uma fila de imigrantes deixando o país, que apostam que ele sairá por aí, como um bedel, a punir países que “roubam” os empregos americanos, que acham que os EUA podem se isolar do resto do mundo, dar uma banana para as zonas de conflito do planeta, cuidando só de suas próprias fronteiras.

Bem, nada disso vai acontecer.

A razão é simples. Trump não pode demitir quase metade dos EUA. 

Os interesses americanos são grandes e complexos demais para se submeter à bizarrice do candidato. O presidente que vai governar o país será outro.

Isso já se revelou no discurso da vitória. Em nenhum momento se viu aquele senhor ponderado, inclusivo, compreensivo, falando na “união da América”. Fosse este a disputar a eleição, o mundo certamente estaria menos chocado hoje. Ocorre que, fosse este a disputar a eleição, talvez não tivesse vencido.

Assim, não é o caso de antever o Apocalipse. Tampouco de demonizar a democracia porque, afinal, venceu o candidato que não era dos nossos sonhos. Ou de achar que a América está doente.

Há razões para preocupação? Há, sim, e os mercados mundo afora estão pondo preço na incerteza. Até para acalmar o ambiente de negócios — afinal, Trump é um negociante —, ele vai ter de começar a se desmentir antes mesmo de tomar posse.

Isso quer dizer que a vitória é irrelevante? Bem, certamente não!

Torci, sim, e não consta que tenha sido voz isolada, não pela vitória de Hillary, mas pela derrota de Trump. Não reconheço nele as virtudes de um bom conservador. Escrevi aqui na segunda-feira e reafirmo:

“As democracias, na era das afirmações identitárias, caminham para uma fase de radicalização de posições. Isso não vai acabar tão cedo. O movimento teve início, como se sabe, à esquerda. A direita mais brucutu comprou a fraude moral. O discurso liberal (refiro-me ao liberalismo econômico, não à esquerda americana) é quem mais sofre nessas horas. Mas é o único capaz de dar uma resposta civilizada aos desafios que estão postos: conviver com o identitarismo sem agredir os direitos universais.”

Aposto: Trump não fará nada de formidável, de sensacional, de fora de série — a exemplo, diga-se, de Barack Obama. O maior prejuízo que pode advir de sua eleição se projeta, acho, no médio e no longo prazos. Uma eventual derrota na eleição certamente empurraria o Partido Republicano para posições mais moderadas; é claro que, agora, vai se dar o contrário. As vozes centristas serão desautorizadas.

Quem ganha com esse resultado é a cultura da intolerância — e de ambos os lados. Não se enganem: também as chamadas “minorias” organizadas caminharão para uma radicalização de posições. 

Nessas horas, o bom senso costuma ser esmagado pelos simplismos.

Mas também não é nada que a democracia não possa enfrentar.
Cumpre, arrematando, tomar distância das visões apocalípticas, como as que sugerem que há uma espécie de horda de fascistas tomando conta do mundo, como se houvesse um espírito do tempo que define esferas de comportamento e de sensações em todo canto da Terra, empurrando-a para a direita autoritária. Isso, sim, me parece uma grande bobagem.

Prefiro uma abordagem mais objetiva: governos têm hoje recursos escassos para as demandas que são apresentadas ao Estado. E aqueles que pagam a conta, mundo afora, isto sim, dão claros sinais de inconformismo.

Não há nenhum monstro maligno sendo gerado nas entranhas no planeta.

Noblat - Trump, o triunfo da força de vontade

Nota do Blogueiro:

Trump não tem compromissos com ninguém, nem com seu partido. Nenhum órgão o apoiou, todos apostaram em sua derrota. O ridicularizaram e ele sofreu ataques bem injustos de muita gente.

Torci para que ele perdesse, mas admiro a sua força de vontade. Eu o considero um boquirroto fanfarrão, mas ele não é burro. Não mesmo. Não se chega onde ele chegou sendo estúpido. 

Aposto que o Trump candidato será bem diferente do Trump presidente. Aquela cadeira na sala oval da Casa Branca é carregada de responsabilidade. 


Trump, o triunfo da força de vontade

Ricardo Noblat
Que presidente dos Estados Unidos será Donald Trump depois da vitória que deixou o mundo em estado de choque e que ainda levará muito tempo para ser assimilada?
O Trump da campanha foi o que conhecemos: um hábil manipulador de emoções, capaz de mentir sem franzir o cenho, de mexer com os instintos mais primitivos dos eleitores, e de prometer o irrealizável.
O Trump que se apresentou há pouco para agradecer aos que o elegeram foi diferente do que venceu: elogiou a adversária, falou em cicatrizar feridas e disse que governará para todos os americanos.
Entre o candidato que espumava raiva e descontrole e o presidente eleito conciliador e sóbrio, poderá estar o Trump que presidirá os Estados Unidos pelos próximos quatro anos.
É de se desejar que esteja, embora ninguém possa garantir que assim será. Seu discurso de vitória foi uma bobagem. Não conteve uma única frase marcante. Muito menos uma ideia original.
Fora platitudes, deixou a impressão de que o próprio Trump parecia surpreendido com o resultado da eleição. Tão surpreendido como o mundo, os institutos de pesquisas e a mídia americana.
A vitória de Trump é só dele e dos que acreditaram em sua palavra. Trump derrotou o “establishment”, a “intelligence”, o mundo pop e quem mais preferiu se alinhar com Hillary Clinton.
Se faltou entusiasmo entre os que o assistiram discursar foi porque ali não estava uma amostra da grande maioria silenciosa responsável por sua eleição. Essa maioria dorme cedo e acorda cedo.
O triunfo de Trump devolve o poder nos Estados Unidos a um populista. Populistas à esquerda ou à direita foram os presidentes Theodore Roosevelt e Franklin Roosevelt (Franklin), por exemplo.
Sem falar de candidatos a presidente que não venceram, mas que com o seu populismo influenciaram fortemente os destinos do país. O confronto entre povo e elite jamais desapareceu em parte alguma.
Nas recentes eleições municipais por aqui, não foram poucos os candidatos como Trump que vestiram a fantasia do não político para investir contra aqueles identificados com a política tradicional.
O mundo passou a girar mais velozmente à direita, e Trump é apenas mais um resultado desse movimento. O maior resultado até aqui.