domingo, 13 de setembro de 2015

"Lula e sua turma agem sem remorsos", por Ferreira Gullar

DOMINGO, 13 DE SETEMBRO DE 2015

"Lula e sua turma agem sem remorsos", por Ferreira Gullar

Folha de São Paulo


O fim do caminho


Escrevi, certa vez, que a geração ideológica que havia combatido a ditadura e que assumiu o poder no Brasil após o regime militar chegava ao seu fim, isto é, cumprira a sua função e se esgotava.

O grupo liderado por Fernando Henrique Cardoso, de uma esquerda moderada, governou até 2002, quando Luiz Inácio da Silva ganhou as eleições e, com isso, a facção mais radical daquela geração assumiu o governo e nele se manteve até agora, no segundo mandato de Dilma Rousseff. Essa é uma geração que, em diferentes graus, situava-se à esquerda dos que apoiaram a ditadura e se aliou, consequentemente, aos partidos que pregavam o marxismo, embora não fosse aquele seu pensamento.

Nesse quadro, nasceu o Partido dos Trabalhadores, liderado por um operário e formado por simpatizantes da Revolução Cubana. Mas os grupos guerrilheiros foram destroçados, e o sistema soviético em seguida desabou.

Desse modo, quando o PT chegou ao poder, as fantasias revolucionárias já estavam fora de moda. Além disso, os escândalos do mensalão e, agora, as delações da Operação Lava Jato revelaram que, se Lula e seu pessoal foram de fato revolucionários algum dia, ao chegarem ao poder mudaram de projeto.

Imagino o que se passou na mente dos petistas: se a postura revolucionária não tinha mais cabimento, que fazer com o poder que lhes caíra no colo? Antes de tudo, não deixar que viesse a escapar-lhe das mãos e, para consegui-lo, a providência fundamental era manter e ampliar o apoio do eleitorado pobre.

Isso, por um lado; por outro, não dividir com ninguém os cargos importantes da máquina do Estado, como os ministérios e as grandes empresas estatais. Aliou-se, então, aos pequenos partidos, aos quais, em vez de dar altos cargos, comprou com dinheiro público: o mensalão.

Tendo nas mãos os ministérios e as estatais, infiltrou-os com a nomeação de mais de 20 mil "companheiros", sem concurso, a fim de que cedessem parte do salário ao partido e trabalhassem pela ampliação do número de novos militantes a favor do governo.

Mas isso não era tudo. O principal residia na apropriação das grandes empresas do Estado e particularmente da maior delas –a Petrobras. Ficou comprovado, na Operação Lava Jato, que, desde 2003– quando Lula assumiu o governo–, criou-se na Petrobras um "clube", formado por altos funcionários, ligados aos partidos do governo, e representantes de grandes empreiteiras, que prestavam serviço à empresa. As licitações –que envolviam centenas de milhões de reais– eram manipuladas de modo que, em rodízio, cada uma daquelas empresas obtivesse os contratos.

O custo das obras era então duplicado e as propinas distribuídas aos partidos e participantes das falcatruas, disso resultando, para a Petrobras, prejuízos bilionários, por ela mesmo admitidos.

A tais prejuízos somam-se os resultantes de negociatas envolvendo a compra e a construção de refinarias. E era Lula quem acusava seus opositores de pretenderem privatizar a Petrobras. Ele, de fato, não a privatizou: apropriou-se dela.

Lula e sua turma agem sem remorsos, uma vez que, sendo eles os defensores dos verdadeiros interesses nacionais, julgam-se com o direito de se apropriarem dos bens públicos.

Vou dar um exemplo. Há algum tempo, antes da Lava Jato, uma senadora do PT, indagada sobre os crescentes prejuízos sofridos pela Petrobras, respondeu: "Só quem se preocupa com isso são os acionistas. A Petrobras existe para servir ao povo".

Ou seja, não tem de dar lucro. Agora, a Operação Lava Jato mostrou que a sua eleição ao Senado, em 2014, foi financiada com propinas da Petrobras e, assim, dá para entender a sua tese: a senadora é o povo.

Esse é um tipo de populismo que, se arvorando defensor dos pobres, atribui-se o direito de usar de qualquer meio, inclusive a corrupção, para manter-se no poder.

Lula e Dilma só não contaram com duas coisas: que a gastança demagógica levaria o país à crise econômica e que suas falcatruas seriam reveladas à opinião pública.

O engodo se desfez, a credibilidade dos petistas despencou. Qual será o desfecho dessa comédia não sei dizer, mas que o lulopetismo já não engana a quase ninguém, não resta dúvida.

sábado, 5 de setembro de 2015

Botes de refugiados

No início do ano, os europeus se indignaram com o ataque ao Charlie Hebdo e muitos no velho continente demonstraram sua contrariedade com a comunidade islâmica, de onde vieram os assassinos dos cartunistas.
Agora, a imagem do menininho morto numa praia turca provoca o efeito oposto e há quem saia às ruas exigindo que seus governos acolham os milhares de refugiados da guerra síria. Às vezes, a opinião pública europeia flutua ao sabor das ondas de um Mediterrâneo em noite de tempestade.
Acontece que muitos outros menininhos sírios morreram e morrem na guerra civil em seu país e os maiores culpados disso não são os líderes europeus, o Obama ou mesmo o Putin. Entendo quem se comova com o triste corpinho de criança na praia turca, mas também compreendo quem não queira arcar com os custos de uma guerra que não é sua.
Há tempos que a primavera árabe de Damasco se transformou num inferno. Agora, como encanto, os botes lotados de fugitivos levam a crise humanitária para as praias do norte do Mediterrâneo e reforçam o ceticismo sobre a própria viabilidade da União Europeia.